Guilherme Machado Leal
Em 2008, um jovem ator britânico estrelou o drama adolescente Skins como um coadjuvante. No mesmo ano, protagonizou um sucesso que chegou ao Oscar, o longa-metragem Quem Quer Ser Um Milionário?. Esses são apenas dois dos trabalhos que marcam a carreira de Dev Patel. Agora, com Fúria Primitiva, o artista inicia sua carreira atrás das câmeras. Nos papéis de roteirista, diretor e ator principal, ele dá vida a Kid, um rapaz que luta em um clube clandestino com o codinome Monkey Man para sobreviver e pagar as contas.
Com uma vida miserável como saco de pancadas de lutadores, surge uma oportunidade para o protagonista mudar de vida e se infiltrar em grupos poderosos da Índia, o que o faz relembrar do passado, quando perdeu a mãe em um genocídio provocado por homens no poder. Em um primeiro momento, a premissa é simples: um filme de ação e vingança. No entanto, com a representação da religião Hindu e costumes do povo indiano, o cineasta conversa sobre raízes, ódio e cultura em duas horas completas de ‘pancadaria’.
Inspirado no sucesso de John Wick, longa de ação aclamado pela crítica e público, Fúria Primitiva é um deleite para os fãs do gênero e, principalmente, para aqueles que estão cansados de verem protagonistas brancos à frente desse tipo de produção. Em entrevista ao portal Dazed, Dev Patel revelou que suas referências para a concepção do projeto foram desde Bruce Lee em Operação Dragão, passando por Bollywood até os trabalhos de Danny Boyle (Quem Quer Ser Um Milionário?) e Garth Davis (Lion) – diretores com quem Patel colaborou no passado.
Nesse sentido, as cenas de luta de Monkey Man (título original) são muito bem coreografadas e extremamente críveis. Em momento algum, há a dúvida de como todo o trabalho de câmeras e movimentos foi feito. Nos três atos do longa-metragem, o espectador recebe diferentes momentos de embate entre Kid e seus inimigos. Aliás, durante os primeiros 90 minutos, há uma cena de perseguição de tirar o fôlego, evidenciando o talento e comprometimento de Dev Patel frente às três grandes áreas de atuação em uma produção audiovisual.
Com o roteiro escrito pelo próprio diretor, Paul Angunawela e John Collee, o ator contou também ao Dazed, que a história é baseada na sua vida. Embora seja um filme essencialmente de ação, toda a personalidade colocada no texto da trama é visível e sentida ao término do longa, uma vez que o diferencial de Fúria Primitiva é o envolvimento que as personagens possuem com o mundo que as cerca. Muito mais que explosões e socos, na estreia de Dev Patel na direção, o amor é o principal arco narrativo que envolve o mundo criado pelo britânico.
A relação de Kid com sua mãe Neela (Adithi Kalkunte) é um dos pontos altos da história, devido à ligação complexa que o personagem e a matriarca possuem. Após ela ser morta por policiais, comandados por Rana Singh (Sikandar Kher), o protagonista possui apenas um objetivo: se vingar do homem que a matou e, para isso, fará de tudo para vê-lo sangrando. Unindo o amor fraternal às tradições culturais do povo indiano, Dev Patel desenvolve maternidade e cultura em um gênero que, geralmente, não possui essas duas linhas de abordagem como focos principais de sua história.
Sobre os aspectos culturais de Monkey Man, o trabalho de tratamento de questões religiosas típicas da Índia é feito de maneira respeitosa e dá à trama a dramaticidade necessária para o longa-metragem. Um exemplo é a lenda Hanuman, que fala sobre um Deus-Macaco, símbolo de heroísmo para a religião Hindu. Além disso, outro ponto que merece ser mencionado é o espaço dado às Hijras, mulheres transsexuais que são conhecidas como o terceiro gênero na Índia. Com isso, o filme ganha mais alma e aproxima o seu protagonista não só de seus coadjuvantes, mas também do público.
Outro ponto de destaque de Fúria Primitiva é a trilha sonora. Composta por Jed Kurzel, a curadoria evidencia sons tocados na Índia e são um respiro frente à escolha de músicas norte-americanas em produções de ação. Além do trabalho sonoro e das coreografias de lutas bem executadas, a Fotografia, realizada por Sharone Meir, também se torna um dos maiores triunfos do longa de estreia de Patel. Ao final do terceiro ato, há uma cena com o protagonista em que o fundo é vermelho, dando destaque ao imaginário de Kid e a aventura sanguinária que envolve a trama.
Com produção de Jordan Peele, Monkey Man é um ótimo primeiro filme de um diretor que, provavelmente, irá trilhar uma carreira promissora atrás das câmeras. Ao ampliar o que pode ser abordado em um longa-metragem de ação, Dev Patel homenageia suas raízes e aborda, sem estereótipos, tradições culturais e religiosas da Índia. Ao término da estreia primitiva do diretor, a pergunta que fica é: ‘Qual será o seu próximo projeto?’. Seja drama, suspense ou comédia, a única certeza é de que, se for dirigido pelo artista, certamente será uma ótima experiência.