Eloah Kaway
Felizes Juntos, dirigido por Wong Kar-Wai, é um retrato fascinante e complicado sobre relacionamentos e descoberta pessoal. O filme mostra a relação tumultuada entre Ho Po-Wing (Leslie Cheung) e Lai Yiu-Fai (Tony Leung), um casal gay de Hong Kong perdido na melancolia de Buenos Aires. Com suas cenas ambientadas nas ruas da cidade e nas impressionantes Cataratas do Iguaçu, Kar-Wai cria uma história visualmente incrível que nos faz pensar no amor em todas suas formas.
No longa, os protagonistas são retratados em um relacionamento tumultuado, marcado por intensas oscilações. Em uma tentativa desesperada de reviver o amor que compartilham, decidem viajar para a Argentina, buscando um afastamento radical de suas vidas anteriores. O objetivo deles é visitar as Cataratas do Iguaçu, uma jornada que adquire uma dimensão simbólica à medida que o longa avança e o vínculo entre eles se desfaz mais uma vez.
A escolha da música Cucurrucucu Paloma, de Caetano Veloso, como pano de fundo para a cena no Patrimônio Natural da Humanidade, não apenas complementa as imagens panorâmicas como também estabelece a abertura do filme de maneira poética. O uso das cores e da canção funciona como uma metáfora das emoções turbulentas dos protagonistas. Inicialmente imersa em cores saturadas que refletem a intensidade do amor entre Po-Wing e Yiu-Fai, a obra transita para tons mais sombrios de preto e branco à medida em que o relacionamento se desintegra, capturando habilmente os altos e baixos emocionais do casal.
Através das performances de Leslie Cheung e Tony Leung, Felizes Juntos oferece uma exploração crua e honesta da complexidade humana, tecendo um retrato comovente de um amor apaixonado, porém, turbulento, que desafia as definições convencionais. Cheung e Leung capturam com maestria a dinâmica destrutiva entre Ho Po-Wing, impulsivo e errático, e Lai Yiu-Fai, mais reservado e contemplativo.
A reflexão sobre o título do filme ganha mais sentido conforme a história se desenvolve. Chun Gwong Cha Sit (no original) vai além da relação complicada entre dois indivíduos que, claramente, não estão felizes, explorando também a reconciliação interior e a aceitação do passado de cada um. Essa jornada emocional ressoa profundamente, oferecendo uma nova visão sobre o que realmente significa amar e se separar. O futuro é incerto; pode haver mais noites solitárias e desesperadoras pela frente mas, agora, eles estão livres das amarras que os prendiam. É um novo começo, mesmo que não seja juntos lado a lado.
Wong Kar-Wai utiliza Buenos Aires como um contraponto ao seu habitual cenário em Hong Kong, explorando semelhanças e contrastes entre essas duas metrópoles. A cidade se torna um cenário simbólico para a desorientação e a busca por identidade dos personagens, evocando uma sensação de exílio emocional e físico. A transição gradual do filme, passando do preto e branco para cores vivas, reflete não apenas a evolução do relacionamento de Po-Wing e Yiu-Fai, como também o próprio processo de crescimento pessoal deles.
Um método notável do jogo de câmera é o deslocamento de foco entre os personagens, que é efetivamente utilizado pelo diretor de Fotografia, Christopher Doyle, para enfatizar a distância emocional e desconexão entre eles. Por exemplo, em uma cena em que Lai Yiu-Fai trabalha como porteiro e Ho Po-Wing ostenta seus novos relacionamentos, a lente se afasta de Yiu-Fai para focar em Po-Wing, o deixando desfocado e em segundo plano; à medida que ele se afasta da vida do parceiro tanto de forma literal quanto metaforicamente.
Outra técnica é o uso de movimentos circulares da câmera, que espelham a natureza cíclica do relacionamento dos personagens. Durante um passeio de táxi, que simboliza mais uma reconciliação, a máquina se move em padrões giratórios, ecoando o padrão repetitivo e vertiginoso de suas separações e retornos. Este movimento circular não apenas aprimora a experiência visual, mas também aprofunda a compreensão do espectador sobre os estados emocionais estagnados e repetitivos dos personagens.
Um dos aspectos notáveis em Felizes Juntos é Chang, interpretado por Chang Chen, que surge de maneira discreta e gradualmente se torna amigo de Lai Yiu-fai, que estava enfrentando a solidão. Ele é como uma luz radiante em meio às dificuldades e sua personalidade curiosa, às vezes, intrometida, traz um humor peculiar ao filme, ao mesmo tempo em que revela uma tristeza subjacente, como se houvesse um vazio difícil de preencher.
Chang aspira viajar por diversos lugares antes de retornar a Taiwan, sua terra natal. Em uma jornada em busca pela felicidade, revela-se um homem cujas motivações são desconhecidas, mas que a breve passagem pela vida de Yiu-fai é suficiente para conectar o público profundamente a esse indivíduo simples, acolhedor e repleto de histórias por descobrir.
Nas cenas finais, Lai Yiu-fai finalmente consegue sair de Buenos Aires e viaja não para Hong Kong, mas para Taipei. Ele vai ao mercado noturno onde a família de Chang Chen tem uma barraca de comida. Contudo, ele não está lá por viajar pelo mundo. “Finalmente entendi como ele poderia ser feliz correndo livre assim“, diz Yiu-fai em seu tom de voz narrativo, baixo e triste. “É porque ele tem um lugar para onde sempre pode voltar“. É um momento de introspecção, onde Yiu-fai reconhece a dificuldade de encontrar um sentido de pertencimento e liberdade verdadeiros, mesmo em meio às descobertas pessoais e às mudanças de cenário.
A crítica internacional elogia Felizes Juntos como uma obra-prima do Cinema contemporâneo. O filme recebeu aclamação em importantes festivais ao redor do mundo, incluindo uma indicação à Palma de Ouro e o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1997. Esse reconhecimento não só celebra a habilidade de Wong Kar-Wai como um cineasta inovador, mas também destaca como o longa continua relevante ao explorar profundamente temas de identidade e busca por conexão humana.
Um ponto forte do filme é como ele trata a sexualidade e a identidade de seus personagens sem clichês ou simplificações. Kar-Wai mostra um grande respeito pela complexidade e singularidade das jornadas pessoais de Ho Po-Wing e Lai Yiu-Fai, retratando suas lutas e vitórias de maneira genuína e humana. Felizes Juntos é uma obra em que o cineasta ressoa além das fronteiras culturais e sexuais. É um lembrete de que, em de todas as lutas e triunfos, está a busca incansável pela felicidade e pela compreensão de nós mesmos e dos outros.