Estante do Persona – Setembro de 2023

Capa: O fundo é laranja. No centro, acima, está o logo do persona, um olho com íris vermelha e um pupila no formato de um play. Abaixo estão três livros empilhados; o primeiro diz “estante do”, o segundo “persona” e o terceiro está o mês, Setembro de 2023.
Em Setembro, o Estante chega com novidades e velhos hábitos” (Texto de abertura: Jamily Rigonatto/ Arte: Raira Tiengo)

Em Setembro de 2023, o Estante do Persona se despede de um velho amigo, o amado por muitos, Clube do Livro. Mas a separação não termina um ciclo e, sim, inicia dois novos. A partir desta edição, as nossas publicações seguem caminhos diferentes em busca de um mesmo propósito: expandir os horizontes da Literatura no Persona. 

A nossa seleção mensal de dicas literárias continua aqui para atender todos os apaixonados pelos mistérios da escrita e suas óticas, sejam elas encantadoras ou grotescas. Com muito cuidado e caminhando pela pluralidade do espaço-tempo, os membros da Editoria seguem indicando mensalmente obras capazes de despertar mistos de emoção e marcar trajetórias. 

Enquanto isso, o Clube do Livro vai reunir nossos leitores e colaboradores em datas mais que especiais para debates impactantes, trocas de experiências e o melhor da aventura que é ler e compartilhar. Nos nossos encontros, agora abertos ao público que nos acompanha, mora o convite para uma oportunidade de vivenciar a livre expressão fora das linhas de um texto corrido. 

Agora, como costume bom vira tradição, deixamos títulos selecionados a dedo para quem quer apreciar os doces de uma boa escrita. Nos próximos meses, nossa estante ganha autores novos e muita informação sobre um universo que nunca vai se prender ao limite das páginas.

Dicas do Mês

Capa do livro Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor. O fundo tem uma textura pontilhada nas cores branco e preto, que compõem um degradê. Na parte superior central, está escrito “Virginia Woolf” em amarelo. Logo abaixo, centralizado, está escrito “& Vita Sackville-West” também em amarelo. Embaixo do nome das autoras, há um desenho de um buquê de flor. Metade do buquê é composto por flores cujo traço lembra rabiscos e cujas cores são vermelho e bege. Já a outra metade do buquê é composta por flores cujo traço é mais realista e cujas cores são roxo, verde, amarelo, branco e rosa. No lado inferior direito, está escrito “Cartas de Amor” em amarelo. Na parte inferior da capa, centralizado, está o selo da editora “Morro Branco”.
As cartas de Virginia Woolf e Vita Sackville-West eternizaram um romance grande demais para ser guardado em envelopes (Foto: Morro Branco)

Virginia Woolf e Vita Sackville-West – Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor.  (320 páginas, Morro Branco)

Os historiadores provavelmente definiriam a relação de Virginia Woolf e Vita Sackville-West como uma amizade extremamente próxima. No entanto, seria ingênuo e covarde duvidar da intensidade de um amor tão íntimo quanto lírico entre duas mulheres que souberam fugir do esquecimento e, assim, viverem como lembranças da valentia sáfica. Esta, por sua vez, foi registrada em cartas trocadas por Woolf e Sackville-West ao longo de 20 anos, comprovando, inclusive, o fato de que o relacionamento à distância é uma moda antiga da vivência lésbica. 

Com tradução de Camila von Holdefer e prefácio de Alison Bechdel, Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor é uma coletânea das principais correspondências escritas pelas duas autoras que exploraram um território até então temido: o da intimidade. Além disso, o livro é uma ressignificação do ato de se apaixonar, ou seja, é uma investigação a respeito de um sentimento cujo despertar é tudo, menos racional. Woolf e Sackville-West não estavam preocupadas em selecionar minuciosamente cada palavra que colocariam nos pedaços de papel. Na verdade, elas optavam por colocar qualquer frase e qualquer assunto que viesse à cabeça para evitar o confronto com a mais forte das palavras: amor. Eventualmente, as entrelinhas e a gradual explicitação as entregaram, assim como as transformaram em revolucionárias. – Ana Cegatti


Capa do livro A idiota, de Elif Batuman. A cor do fundo é um tom claro de salmão. Ao centro, há uma fotografia antiga de uma pessoa: o fundo é marrom e ela veste uma camisa abotoada de manga comprida branca, com um cinto marrom na altura da cintura. Não podemos ver seu rosto pois ele foi riscado com o que aparenta ser uma caneta permanente preta. Na moldura da foto, há um risco com a mesma caneta em cima de um suposto nome e, ao lado e em letra de forma, o nome da autora. A imagem está “colada” ao fundo com um pedaço de fita na parte superior. O nome da obra se encontra no topo da capa, na cor preta e em caixa alta, e, na parte inferior, encontra-se o símbolo da editora Companhia das Letras.
Por que não podia ser simplesmente o que era, por que sempre era necessário sentir falta de alguma coisa?” (Foto: Companhia das Letras)

Elif Batuman – A idiota (488 páginas, Companhia das Letras)

A idiota, de Elif Batuman, se desenvolve a partir da entrada de Selin, filha de imigrantes turcos, em Harvard, no ano de 1995. Como todo jovem que ainda se sente perdido em meio a transição da adolescência para a vida adulta, Selin tenta encontrar o seu lugar em todos os caminhos que a vida a leva – ela se matricula em matérias das quais nunca ouviu falar, redescobre a amizade em uma colega sérvia e encontra o amor na troca dee-mails juvenis e pseudo-intelectuais-que-servem-de-flerte com um estudante húngaro.

O finalista do prêmio Pulitzer, traduzido no Brasil por Odorico Leal, entra para a lista de livros cujas sinopses são ‘sobre nada’: não possui acontecimentos marcantes, reviravoltas ou grandes dramas. Por outro lado, ele é capaz de captar a essência de uma fase que não é extraordinária, e é nisso que sua beleza se encontra. Com uma escrita leve, engraçada e, ao mesmo tempo, impactante e pungente, a obra de Batuman representa, de forma despretensiosa, honesta e real, toda a banalidade do que é ser jovem, deslocada, interessada e apaixonada. – Raquel Freire


Capa do livro “História É Tudo Que Me Deixou”. O desenho mostra dois garotos sentados no chão de um cômodo. Da esquerda para a direita, os meninos possuem, respectivamente, cabelos ruivos e loiros. A pintura possui tons esverdeados na composição do espaço que os meninos se encontram. Há também, acima dos meninos, desenhos de círculos esverdeados. Na parte superior central da pintura, está escrito “Adam Silvera, do mesmo autor de Os Dois Morrem No Final” estilizado com as letras azul e branca. No centro do desenho, há o título “História É Tudo Que Me Deixou”, com a letra branca. Ao lado inferior esquerdo da pintura, há uma citação da autora Nicole Yoon, de O Sol Também é uma Estrela, que escreveu “Este livro vai te fazer chorar, refletir e, depois, chorar um pouco mais”, estilizado com a letra branca. Na parte inferior central da pintura, há o logo da cor branca da Hoo Editora
História é tudo que me deixou envolve o leitor em uma trama sobre a efemeridade da vida e os estágios do luto (Foto: Hoo Editora)

Adam Silvera – História é tudo que me deixou (336 páginas, Hoo Editora)

O autor Adam Silvera se consagrou, nos últimos anos, como um dos escritores mais notáveis pertencentes ao sub-gênero Young Adult – histórias para jovens adultos. Em seus livros, o foco é a dinâmica da população LGBTQIAPN+ com os sentimentos de aceitação, luto e amor. Em História É Tudo Que Me Deixou, Griffin recebe a notícia de que seu ex-namorado, Theo, morreu em um acidente. Esse é o ponto de partida que leva o protagonista a embarcar em uma trama de superação da tragédia vivida pelo seu primeiro amor. 

Com uma premissa apoiada na perda de um ente querido, o segundo livro do nova-iorquino fala, nas mais de 300 páginas, sobre como ocupamos diversos papéis na vida de uma pessoa. Nesse sentido, Theo, antes de morrer, não estava mais com Griffin, mas com Jackson, seu namorado da época em que o acidente aconteceu. Ao longo da narrativa, o ex precisa entender que o seu finado amor, queira ele ou não, encontrou outra pessoa que mudou o seu mundo. Por esse lado, a narrativa foca em unir os dois amores no processo de cura do amor que ambos possuíam pelo garoto.

Dessa forma, História é tudo que me deixou, traduzido por Cristina Lasaitis aqui no Brasil, se destaca pelo cuidado do autor ao tocar em temas delicados. Emocionante do começo ao fim, a história de dois meninos que precisam passar, juntos, pelo doloroso processo de um luto, se afirma como um dos retratos mais crus de um sentimento universal. Embora haja um pano de fundo devastador, a obra não cai no estereótipo de histórias trágicas da comunidade LGBTQIAPN+. Muito pelo contrário, Adam Silvera consegue cativar o público com a profundidade de seus personagens, ganhando a empatia do leitor a partir do primeiro contato com o mundo criado pelo escritor.  – Guilherme Machado Leal


Capa do livro O Processo de Franz Kafka, A capa ilustra, em um esboço e em traços pretos em um fundo branco, vários corredores e escadas que se direcionam de maneira confusa por todo o desenho. Próximas dessas escadas existem placas em formato de setas que apontam para portas com os dizeres “Relatórios”, “RH”, "Requerimentos" e "Expedição". Há um homem, também desenhado em forma de esboço, que se repete através da imagem, subindo e descendo as mesmas escadas, ele usa terno, gravata e um óculos. Na parte superior do livro está escrito em letras brancas e grandes, “Kafka, O Processo” e na parte inferior há o nome da editora “ Via Leitura”
A realidade absurda de Franz Kafka se impõe aos personagens de O Processo (Foto: Via Leitura)

Franz Kafka – O Processo  (192 páginas, Via Leitura)

Em O Processo, no começo de um dia aparentemente comum, o bancário Josef K. é detido em seu quarto por um grupo de guardas que o informam de um processo, no qual ele é acusado, não por um tribunal comum, mas por um misterioso tribunal que funciona em um sótão abafado. A partir deste ponto, a vida relativamente pacata de K. é tomada pela paranóia e pelas inúmeras tentativas de desenrolar o novelo de burocracia e relações pouco transparentes que envolvem seu processo.

O livro é um dos mais famosos de Franz Kafka, tendo sido publicado em 1925, ano seguinte à morte do autor. A obra – traduzida no Brasil por Modesto Carone – harmoniza com o que se tornaram temas-chave dos séculos XX e XXI, como a distopia, a violência física e psicológica, o abuso de autoridade e a opressão, que proporcionou ao romance uma sobrevida para além de seu tempo, explorando a relação entre o ser humano e o poder. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do livro: “Antes que o café esfrie”. Num fundo branco e azul, duas cadeiras de madeira estão centralizadas próximas a uma mesa, sendo esta também de madeira. Em cima da mesa, existem duas xícaras de café e um abajur branco. Logo abaixo, um gato marrom e cinza. O título do livro está à direita em cores azuis, enquanto o nome do autor está na parte inferior
A atenção plena é um encontro com a realidade (Foto: Editora Valentina)

Toshikazu Kawaguchi – Antes que o café esfrie (208 páginas, Editora Valentina)

Quem você encontraria pela última vez se fosse possível viajar no tempo? O que teria feito de diferente? O presente não muda, mas as pessoas, sim. Em um pequeno e misterioso café nas ruas de Tóquio existe uma lenda urbana de que é possível retornar ao passado, porém, com apenas uma condição: é preciso voltar antes que o café esfrie.Em Antes que o café esfrie, quatro histórias são contadas e, embora sejam bem distintas, o laço que as une é a vontade de mudança e inquietação com o presente.

As profundas reflexões trazidas pelo livro são incontáveis, mas certamente baseadas na noção de que não se há controle absoluto sobre os eventos passados e, sim, de que forma pode-se moldar quem queremos ser no presente. A universalidade desta ideia no imaginário popular apenas conecta diversas pessoas de múltiplas histórias e vivências, reforçando, desta forma, a relevância do livro num contexto geral. A partir disso, basta nos contentarmos com a viagem e aproveitarmos a nossa experiência atual antes que o café realmente esfrie.– Rebecca Ramos


Capa do livro A visita cruel do tempo. A capa do livro ilustra, sem clareza, a silhueta do rosto de várias pessoas através de rabiscos pretos. As pessoas são diferenciadas por cores, a mais acima é vermelha, seguida da cor rosa, verde e, por último, azul. No canto superior direito está escrito “O melhor livro que você terá nas mãos. Los Angeles Times” em amarelo. Embaixo, o título do livro em branco, “A visita cruel do tempo” e, ao lado, o nome da autora em azul, “Jennifer Egan”. Abaixo dos dois há, em amarelo, o escrito “Vencedor do Pulitzer”.
“Ele sentia entre os dois uma compreensão demasiado profunda para ser articulada: a consciência indizível de que tudo está perdido.” (Foto: Intrínseca)

Jennifer Egan – A visita cruel do tempo (336 páginas, Intrínseca)

Durante um bloqueio criativo, Jennifer Egan quis fugir da regularidade de suas histórias e assim nasceu A visita cruel do tempo, ganhador do Pulitzer de 2011. O romance é dividido em 13 capítulos e segue a vida de diversas pessoas diferentes em anos completamente isolados. O que no começo pode parecer uma bagunça, mais tarde nos acostuma e passamos a gostar do caos cronológico e do amontoado de personagens.

Como em seu nome, o livro mostra que o tempo carrega uma crueldade inerente a si, e não há como escapar. Ao longo da trama, vemos amigos se separando, vidas sendo destruídas e ciclos se encerrando, tudo por interferência do personagem principal de Egan: a cronologia abstrata, impiedosa e insensível. – Amábile Zioli

 

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