Estante do Persona – Outubro de 2023

O fundo é roxo. No canto superior direito e no canto inferior esquerdo, há duas teias de aranha pretas em menor opacidade. No centro, acima, está o logo do persona, um olho com íris vermelha e um pupila no formato de um play. Abaixo está um livro laranja, apoiado sobre três livros; o primeiro diz “estante do”, o segundo “persona” e o terceiro está o mês, Outubro de 2023. Apoiados ao lado do livro laranja, há um pequeno gatinho de olhos amarelos arregalados e um abóbora decorada na temática de Halloween.
Em clima de mês do horror, o Estante do Persona de Outubro brinca de assombração (Arte: Raíra Tiengo/ Texto de abertura: Enzo Caramori e Marcela Lavorato)

“(…) Às vezes, me assusta pensar que os problemas cotidianos podem ser para mim um pouco mais terríveis do que para o resto das pessoas.”

 — Samanta Schweblin

O que mais assombra é o desconhecido. A aproximação do indivíduo a algo nebuloso, que remete ao comum, mas, de certa forma, possui uma aura em desalinho. Algo no fundo do horizonte, coberto de escuridão e fumaça se faz presente, mesmo que não se possa ver com olhos ainda humanos. O terror e o horror, que nasce não somente de grandes escritores e realizadores do gênero, mas do desenterrar das sensibilidades do inconsciente, e da explicitação do desconhecido não somente enquanto o outro, mas o que não sabemos de nós mesmos. No mês de Outubro de 2023, o Estante do Persona permite se adentrar ao colapso do corpo e do cotidiano pelo grotesco e pela violência, explicitada nas discussões do Mês do Horror, que tomou a Literatura da autora Mariana Enriquez como ponto central de reflexão.

A obra da escritora, jornalista e professora argentina foi escolhida para o entendimento do que é, em uma perspectiva que constrói, do horror social das desigualdades e violências das ditaduras latino-americanas, da misoginia e do preconceito racial, o Terror enquanto um gênero literário contemporâneo. O gótico moderno e político de Enriquez, também explorado por autoras como Samanta Schweblin, Selva Almada e Monica Ojeda, é a sua maneira de transformar o que abisma em um percurso narrativo de deslumbramentos e mistérios, além de, socialmente, explorar a opressão e subverter protagonismos.

Seu diálogo do terror com o realismo cria riscos à unidade da matéria ontológica dos corpos de suas personagens, tornando os sujeitos, com suas próprias individualidades, em uma massa de seres supérfluos, amorfos e apenas aterrorizados pelo temor e pelo trauma social. Nisso, Enriquez denuncia as violências dos corpos sobre outros corpos como alegorias políticas, construindo uma literatura que, além de subverter o padrão canônico e racista de H.P Lovecraft, não se faz por figuras irreais e sobrenaturais, mas pela indicação de algo anti-natural e em incongruência com o real.

Assim, Os perigos de fumar na cama se traduz em todo esse horror social que é explorado pela autora argentina. O livro, lançado em 2023 pela Intrínseca, nos guia pelos 12 contos de uma maneira bem descritivista e esse ponto é essencial para entender o que Enriquez quer nos fazer sentir: raiva, angústia, melancolia, ódio e tristeza. Ao relatar acontecimentos tão palpáveis, mas ao mesmo tempo construídos de formas fantasiosas, percebemos que as sequelas e as próprias violências sociais e os preconceitos se materializam em um texto brutal. 

É digno dizer que Mariana Enriquez traz para a obra algo muito visceral em todos os sentidos, seja nos conteúdos das histórias, nos seus desenvolvimentos ou nas histórias sem um final definido – o que leva o leitor a utilizar a imaginação para dar continuidade ao horror. Com isso, Os perigos de fumar na cama, cujo título inspirado em um cancioneiro estadunidense, anuncia suas maldições de quem se atrever aos seus apuros dá abertura ao Estante do Persona de Outubro 2023 e as suas aterrorizantes indicações para o mês mais macabro do ano.  

Dicas do Mês

A capa é do livro Misery: Louca Obsessão. O seu plano de fundo é uma floresta ao entardecer. O chão é coberto de neve e o primeiro plano é uma máquina de escrever antiga e enferrujada com neve em cima. Na parte superior central da imagem, temos o nome do autor Stephen King em letras brancas e finas. Abaixo, o título “Misery” em uma letra blocada vermelha e na folha saindo da máquina de escrever, a outra parte do título: “Louca Obsessão.”
A adaptação rendeu à Kathy Bates uma indicação ao Oscar na categoria Melhor Atriz (Foto: Editora Suma)

Stephen King – Misery: Louca Obsessão (328 páginas, Editora Suma) 

Pode estourar o Chandon, você acabou de escrever o último livro de uma longa série que, no fundo, sempre odiou um pouquinho. Com o manuscrito em mãos, segue com seus planos de comemorar e respira, finalmente, os ares da liberdade. No entanto, não contava com a previsão do tempo e um acidente acontece. A boa notícia: você é salvo. A má notícia é por Annie Wilkes. Ao acordar depois de dez dias, as primeiras informações que Paul Sheldon recebe são péssimas: ele não sente seus pés e está preso com sua fã número 1. 

Misery: Louca Obsessão, um dos best-sellers de Stephen King, prende pela completa agonia, que chega a ser paralisante. Nos sentimos na pele do protagonista, vivendo as angústias que apenas um prisioneiro consegue sentir. A ansiedade de ser pego, a desesperança de uma salvação e os planos de fuga que embalam a narrativa, além da assombrosa Annie, nos acompanham pelas páginas muito bem construídas de King – tão bem construídas que foram adaptadas para as telas pelo diretor Rob Neider. No cinema ou na literatura. Cuidado: há risco de você enlouquecer junto com Paul Sheldon. Clara Sganzerla


Capa do livro A causa secreta. A capa possui um preto com bolinhas brancas. Ao centro superior, há o título do livro A Causa Secreta na cor laranja. Logo abaixo, como se fosse um rasgo no meio da capa, uma pessoa, em preto e branco, aparece ao fundo do rasgo em um plano branco. A continuação da pessoa, por cima do rasgo, é um esqueleto. Sua mão tenta sair pelo rasgo. No centro do crânio da caveira aparece o nome do autor, Machado de Assis, em laranja. No canto inferior direito, há a logo da Editora Itapura.
Todas as obras de Machado de Assis estão em domínio público (Foto: Editora Itapuca)

Machado de Assis – A Causa Secreta (8 páginas, Domínio Público)

Assim como um ótimo romancista, Machado de Assis também era um brilhante contista. Ao ler A Causa Secreta não espere um terror fantasmagórico, porque está longe disso. Muitos dos contos do autor trabalham o terror a partir do real e, nesse conto, não seria diferente. Na obra, são expostos os terrores presentes no mundo material, sendo eles, muitas das vezes, ocasionados pelo próprio ser humano. 

Construindo o texto através de uma escrita com bastante detalhes dos acontecimentos,  a história nos apresenta três personagens principais: Garcia, Fortunato e Maria Luísa, que já começam mortos. A partir disso, Machado de Assis nos leva pela narrativa para sabermos o porquê isso aconteceu, como aconteceu e qual seria a ligação entre os três e o terror que assombra cada um deles. – Marcela Lavorato


Reprodução da capa original da primeira versão do livro Drácula. Capa amarela, com uma linha vermelha fina que acompanha a borda do livro. O nome da obra no topo, em uma fonte grande o suficiente para ocupar toda a horizontal, logo acima do nome do autor, ambos em letras vermelhas, no mesmo tom da linha
O romance já foi adaptado para o cinema mais de 30 vezes (Foto: Editora DarkSide)

Bram Stoker – Drácula (580 páginas, Editora DarkSide)

Drácula é o clássico dos clássicos quando se fala em terror. Em 1897, o autor irlandês Bram Stoker se inspirou nas histórias do folclore da Transilvânia e imortalizou o personagem do Conde Drácula, que vive isolado em seu castelo na terra romena. Após mais de um século desde a sua publicação, o romance ainda se sustenta como uma das histórias mais assustadoras e eficazes do gênero, e está entre as que consolidaram a estética do horror gótico. Além disso, se mantém fresca enquanto retrato da era vitoriana e suas ansiedades, servindo como objeto de análise para os dias de hoje. 

É por esses e outros motivos que, ao entrar em qualquer loja de fantasias ou festa de Halloween, as chances de você esbarrar com um Drácula são muito altas. Isso além de suas aparições em filmes e nas mais diversas obras culturais, tendo suas incontáveis versões, sejam eróticas ou grotescas, aproveitando das muitas facetas que coexistem na versão original. 

Dos clássicos do cinema mudo, com Nosferatu, ao universo infantil, com Hotel Transilvânia, o vampiro se tornou um dos personagens mais replicados de todos os tempos. Mas, não é só o protagonista que ganhou o status de ícone do terror, outros personagens também se tornaram inesquecíveis, como Van Helsing, o mais famoso caçador de vampiros, com suas flores de alho e estaca de madeira. – Giovanna Freisinger


Capa do livro “Contos de amor, de loucura e de morte”, do escritor uruguaio Horacio Quiroga e publicado pela Editora Iluminuras. Sobre um fundo bege claro, há os escritos em caixa alta e com serifa “Contos de amor, de loucura e de morte” em letras pretas, e “Horacio Quiroga” em vermelho. Abaixo, há o desenho de uma mão, em preto e branco, e do topo de um vidro, tampado por uma rolha.
O que um travesseiro de plumas, uma galinha degolada e um solitário têm em comum? As palavras sangrentas de Horacio Quiroga! (Foto: Editora Iluminuras)

Horacio Quiroga – Contos de amor, de loucura e de morte (192 páginas, Editora Iluminuras)

Andando em uma linha tênue entre a realidade e a imaginação, o uruguaio Horácio Quiroga mostra como o amor, a loucura e a morte se conectam. Passional e sangrenta, a coletânea possui histórias que beiram o delírio, o trauma e a dor. Regados pela angústia e pela inquietude, os contos são aterrorizantes, e trazem detalhes perturbadores, que assustam qualquer leitor. 

No livro, Quiroga escancara a violência, a instabilidade e o sofrimento presentes na vida humana, e apresenta – de forma nua, crua e descritiva – os mais insanos atos de paixão e de perecimento. Publicado originalmente em 1917, Contos de amor, de loucura e de morte de Horacio Quiroga é um retrato do Horror e do Terror latino-americano, que – por meio de seus finais inesperados, e detalhes ditos e não ditos – consegue desestabilizar e amedrontar quem quer que esteja lendo. – Laura Hirata-Vale


Stephen King – Salem (464 páginas, Editora Suma)

Nada como vampiros para animar um Dia das Bruxas – e disso Stephen King sabe bem. Para esconder o mistério, a versão brasileira do segundo romance da carreira do Rei do Horror mudou de A Hora do Vampiro para Salem, mas a fama que persegue o autor e o imaginário popular não o deixam esconder do que se trata. Isso porque uma casa misteriosa, pessoas doentes do dia para a noite com marcas no pescoço e corpos sumindo na calada da madrugada só podem indicar uma coisa.

No entanto, King homenageia o Drácula de Bram Stoker como o mestre que é, unindo elementos comuns de história desse subgênero para criar um livro denso, mas que em nenhum momento deixa o leitor relaxar diante do mistério não confirmado. A aura cinzenta e sobrenatural da cidade de Jerusalem’s Lot – a Salem do título – se une à mitologia assombrosa da Casa Marsden e do quarteto diverso de personagens principais: um vampiro centenário, um padre atormentado, um escritor traumatizado pela infância na cidade e uma criança com uma mente fértil e mais coragem que os outros três juntos.

Em 464 páginas, Stephen King – na época, ainda no começo da carreira – mostra o porquê se tornou a lenda do terror que é hoje, prendendo a atenção do início ao fim no suspense do desconhecido e no apego por personagens cativantes. Salem virou um clássico por um motivo, mas leia de dia, com as janelas fechadas e um crucifixo a tiracolo. – Vitória Gomez


 Capa do livro Lady Killers. A obra possui uma capa de fundo cor-de-rosa pink com o título “Lady Killers” em grandes letras brancas no centro. Abaixo, há o texto “Assassinas em série” no mesmo tom de branco em letras menores e inscrito em um fundo oval preto. Nos quatro cantos da capa há ilustrações de cobras na cor preta e ,na parte central inferior, uma tesoura aberta sobre o logo da editora. Na porção superior, há o desenho de um olho dentro de um círculo branco, ele derrama uma lágrima preta. Acima da ilustração está o texto “Entre na mente das psicopatas”. O nome da autora está acima do título.
Entrando no mundo do true crime, o terror de Lady Killers é absolutamente real (Foto: Editora Darkiside)

Lady Killers – Assassinas em série (384 páginas, Editora Darkside) 

Violência e sede de sangue sempre foram tônicas ligadas ao masculino e, se desde os primórdios da sociedade a mulher é traduzida pela delicadeza, esperar que elas também sejam autoras de assassinatos cruéis parece fora dos trilhos. É aí que Lady Killers – Assassinas em série entra para provar, em relatos reais, que a lembrança popular não contempla como os maiores crimes da história vem assinados pelas ladys.

Fugindo do lado comum do terror e suas criaturas fantásticas, a obra de Tori Telfer – traduzida no Brasil por Marcus Santana e Daniel Alvez da Cruz – é cruelmente verdadeira. Com uma escrita perspicaz e páginas recheadas de ilustrações feitas cirurgicamente por Jennifer Dahbura, a obra nos dá uma nova perspectiva da mente de grandes assassinas. Assustador em sua própria interpretação, Lady Killers vai pegar você também. – Jamily Rigonatto

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