Estante do Persona – Novembro 2023

Em Novembro de 2023, a seleção do Estante do Persona se debruça em rememorar (Texto de abertura: Jamily Rigonatto/ Artes: Aryadne Xavier)

“Eu não terei a minha vida reduzida. Eu não vou me curvar ao capricho ou à ignorância de outra pessoa” -bell hooks

O Estante do Persona de Novembro chega com um tom de reflexão. No mês da consciência negra, nada mais justo que fazer de um povo secundarizado desde os primeiros passos da colonização, o protagonista. Nesta edição, relembramos a importância de resistir e não esquecer que as cicatrizes são profundas e reverberam suas dores na atualidade.

Assim, alçamos voo sobre a Literatura Negra, na qual os autores e objetos integram o universo da racialidade e percorrem laços com vivências que, infelizmente, se colidem com os nós da branquitude. Em escritos de diversas épocas, o enfoque é para a crítica à estrutura racial em diversos contextos e seus prejuízos aos recortes que envolvem desde as mulheres até a população LGBTQIA+.

Seja no discurso empoderador e questionador de bell hooks, ou nas linhas ficcionais – mas ainda reconhecíveis no mundo real – de Daiane Borges, a negritude grita em palavras sinceras e expõe discursos na mais subjetiva linguagem da arte: a literária. Aqui, o espaço fica para dizer que em uma mistura globalizada, os buracos do percurso são assinados por um mesmo autor, aquele que escreve as linhas da supremacia branca.

No ato educativo e, mais ainda, revolucionário de ler, as mensagens gritam para aquilo que nunca deve ser deixado de lado: a importância de não apagar. Em meio aos registros da memória, da experiência e da divida histórica, ficam nas dicas do mês a busca por uma sociedade cada vez mais decolonial.

 

 

Dicas do mês:

Capa do livro E eu não sou uma mulher?. Na imagem há um fundo roxo sobre o qual se insere o texto "bell hooks" em letras violeta. Logo abaixo, está o texto "e eu não sou uma mulher:? mulheres negras e feminismo" em letras roxas sombreadas em verde.
E eu não sou uma mulher? é o primeiro livro de bell hooks e foi publicado pela primeira vez de 1981 (Foto: Rosa dos Tempos)

bell hooks – E eu não sou uma mulher?: Mulheres negras e feminismo (320 páginas, Editora Rosa dos Tempos)

bell hooks é figurinha marcada quando o assunto é ativismo social. A autora norte-americana, que faleceu em dezembro de 2021, se consolidou como uma das maiores vozes das discussões sobre vivências de mulheres negras. Em sua primeira publicação, E eu não sou uma mulher?: Mulheres negras e feminismo, a escritora aborda os pilares sociais que oprimem especificamente o universo feminino integrado à racialidade. Traduzidas no Brasil por Libanio Bhuvi, as 320 páginas dão vida à discussão sobre a diferença com a qual o sexismo atinge o gênero a depender de sua classificação racial. além de explorarem os aspectos que distanciam o movimento feminista e as mulheres negras.

Em todo o escrito, práticas da movimentação social e suas correlações aparecem desnudas para exemplificar os conflitos da busca por igualdade. Gênero, raça e classe se tornam personagens ativos com laços firmados e dinâmicas desiguais. O retrato é revolucionário e derruba, de forma pioneira, os mitos de uma luta na qual todas estão no mesmo degrau. Como o sol depois da tempestade, hooks ensolara a representação identitária. – Jamily Rigonatto


Capa do Livro “Pele Negra Máscaras Brancas” de Frantz Fanon. O fundo da capa é completamente preta, em letras brancas e maiúsculas, centralizadas está escrito o título do livro e o nome do autor
Frantz Fanon define como “epidermização da inferioridade” o processo que inferioriza as pessoas negras na sociedade. (Foto: Ubu Editora)

Frantz Fanon – Pele Negra, Máscaras Brancas (320 páginas, Ubu Editora)

Frantz Omar Fanon, nascido em Martinica, colônia francesa no caribe, e formado em  medicina e psiquiatria, foi um dos mais importantes pensadores decoloniais de todos os tempos. Engajado na luta antirracista, Fanon apoiou ativamente a rebelião dos argelinos contra os franceses no século XX e inspirou movimentos de emancipação em todos os continentes. Em seu primeiro livro, Pele Negra, Máscaras Brancas, o autor debate a psicologia da colonização e seus efeitos na mente dos povos explorados.

A obra debate o complexo de inferioridade imposto nas pessoas negras, bem como a influência da ideologia colonial e seus mecanismos na relação entre negros e brancos. O livro dialoga com diversos autores, contemporâneos e anteriores ao escritor, não só do movimento negro como também de todas as áreas de pensamento, como Sigmund Freud, Jean-Paul Sartre e Aimé Cesaire. O trabalho de Frantz Fanon é fundamental para entender as relações raciais na sociedade moderna. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do Livro “Por um feminismo afro-latino-americano” de Lélia Gonzalez. A capa consiste em um desenho de Lélia Gonzalez em tons terrosos e esverdeados, á esquerda está escrito o título do livro e o nome da autora
Em meio ao rotineiro racismo por omissão, Lélia Gonzalez esbraveja a relevância da interseccionalidade nos movimentos sociais. (Foto: Zahar)

Lélia Gonzalez – Por um feminismo afro-latino-americano (361 páginas, Zahar)

Pioneira ao questionar o elitismo branco presente no feminismo liberal na década de 60 e mãe do feminismo negro, Lélia Gonzalez fez história dentro das discussões acerca de classe e raça nos movimentos sociais atuais. Filha de um operário e uma empregada doméstica, a sua vivência agrega e resiste a uma Academia que, apesar de tentar, de maneira falha, não abrange a totalidade do que é ser uma mulher negra de origem periférica em locais nos quais se é historicamente negado.

Abordando questões como a emancipação indígena e negra nas organizações políticas, a autora demonstra de que forma se faz necessário ter um recorte específico para temas aos quais muitas vezes estão pouco relacionados com a realidade latino-americana. A dependência cultural estadunidense e europeia é presente até os dias contemporâneos. Sua historiografia possui influências como as do psiquiatra martinicano Frantz Fanon, contemplando, assim, escritores agraciados pela “Amefricanidade”. As palavras de Lélia são uma constante lembrança de nossa existência, especialmente em um contexto no qual odeiam indivíduos apenas por seus traços, seus corpos, sua vivências, e , sobretudo, por nossa negritude.  – Rebecca Ramos


Capa do livro “Quem tem medo do feminismo negro?”. A capa do livro é roxa e possui em seu centro o título “Quem tem medo do feminismo negro?”, estilizado na cor rosa. Logo abaixo, há o nome da autora “Djamila Ribeiro”, estilizado com a cor amarela. Por último, há o logo da editora “Companhia Das Letras”, estilizado na cor rosa e representado por um barco.
Quem Tem Medo do Feminismo Negro é essencial para entender como as lutas feministas, LGBTQIAPN+ e raciais andam lado a lado (Foto: Companhia das Letras)

Djamila Ribeiro tem sido uma das maiores vozes no que diz respeito à luta da comunidade preta nos últimos anos no Brasil. Em Quem Tem Medo do Feminismo Negro, a autora faz um recorte da luta feminista e explora as diferenças entre a forma como a sociedade trata as mulheres brancas e mulheres racializadas. Tendo como referências as ilustres Chimamanda Ngozi Adichie e bell hooks, a filósofa brasileira escancara em seus escritos o histórico racista e sexista do país. 

Ao abordar temas como lugar de fala, o sentimento de pertencimento da população negra e a diferença salarial ao realizar o mesmo trabalho, a feminista passa pelas três grandes formas de caracterizar os indíviduos: raça, gênero e sexualidade. Com isso, ela mostra em cada uma dessas categorias, que o caminho a ser traçado pelo povo preto é muito mais árduo e dificultoso do que aquele percorrido pelos brancos. – Guilherme Machado Leal


Capa do livro Tudo o que nós temos. O fundo contrasta entre formas abstratas que vão do laranja, amarelo e azul. No centro da capa, há uma ilustração de uma adolescente preta, representando Dominique, do peito para cima, com o cabelo cacheado amarrado em rabo de cavalo e com uma blusa amarela. Virado de costas para ela, há um adolescente preto, representando Ruan, com o cabelo curto e blusa preta. O título do livro está acima e abaixo dos dois na cor preta. Na parte de cima, há os dizeres “Tudo o que” e embaixo há os dizeres “nós temos”. No canto inferior esquerdo, há o nome da escritora: Dayane Borges
“Mas sei que, de qualquer forma, eu vou achar um jeito de me encontrar e ter orgulho de quem sou.” (Foto: Andresa Rios)

Dayane Borges – Tudo o que nós temos (72 páginas, escritora independente)

Tudo o que nós temos, de Dayane Borges, é um conto que retrata a história de Dominique, uma adolescente preta que mora em uma região periférica e é estudante de uma escola de elite. Levantando diversos questionamentos como o que seria “elite”, Domi, durante a narrativa, expressa os seus sentimentos de uma maneira muito sensível e, enviando e-mails para o seu amigo Ruan – o único com quem Domi se identifica na escola -, vemos que sofre por causa da sociedade racista em que vivemos. Enquanto não se sente representada e validada na escola, a personagem relata que existem duas de si: uma quando está em sua escola e outra quando está em sua rua. E, dessa forma, essa percepção vai sendo desenvolvida durante a narrativa à medida em que Dominique vai conhecendo a sua ancestralidade – quando precisa fazer um trabalho escolar.

Tendo como música tema a canção Principia, de Emicida, podemos perceber a sua inspiração já no título, citando e trazendo diversos artistas negros ao longo do conto, como Racionais e Kendrick Lamar. Dayane escreve de forma maestral e, como destaque, ressalto as passagens em que Domi conversa com os seus familiares, principalmente com o seu avô, que traz muita sensibilidade, ensinamento e ternura para ela. Com isso, acompanhamos Dominique em suas reflexões e adentramos na história, que vai se aprofundando a cada e-mail enviado. A construção da narrativa é um ponto a se destacar, trazendo protagonismo preto, narrador de sua própria história. – Marcela Lavorato


Capa do livro Em Busca de Mim da autora Viola Davis. A arte de capa é composta por uma fotografia em preto e branco de Davis, junto de tipografias nos cantos. Viola Davis é uma mulher negra de olhos e cabelos escuros. A foto captura apenas o rosto dela que, por sua vez, olha diretamente para a câmera. No topo da arte de capa, está escrito seu nome, Viola Davis, em letras garrafais brancas. Já na parte inferior, está localizado o título do livro, Em Busca de Mim, também em letras garrafais brancas. No canto inferior direito, está o logo da Editora BestSeller, formado por figuras geométricas e colorido em preto.
Em Busca de Mim levou o Grammy de Melhor Audiobook em 2023, consagrando Viola Davis como EGOT – vencedora das quatro principais premiações estadunidenses da Arte (Foto: Editora BestSeller)

Viola Davis – Em Busca de Mim (266 páginas, Editora BestSeller)

Atriz, empreendedora, ativista e mais uma infinidade de substantivos. Viola Davis é uma das personalidades mais importantes de nosso tempo e, em 2023, o mundo teve a oportunidade de adentrar o seu íntimo com a autobiografia Em Busca de Mim. O livro mergulha na infância difícil, passando pelo estrelato até alcançar palavras de inspiração e auto-ajuda, algo clichê por ser quase fundamental na construção de obras desse gênero literário e que compromete a qualidade em alguns  momentos.

Em Busca de Mim, cuja narração em áudio concedeu a Davis o título de EGOT – dado àqueles que vencem prêmios Emmy, Grammy, Oscar e Tony –, desmistifica a figura imponente da artista. Se ela carregou por anos a presença intimidadora da advogada mais famosa da Televisão estadunidense, Annalise Keating, nas grandes telas do Cinema e no palco do Teatro o cenário não foi diferente. Porém, a autobiografia coloca tudo por água abaixo, revelando uma vulnerabilidade ironicamente poderosa. – Nathalia Tetzner

 

Deixe uma resposta