Duas décadas depois, De Repente 30 é apenas para os nostálgicos

Cena do filme De Repente 30. Uma menina e uma mulher estão lado a lado dentro de um elevador de paredes de madeira. Do lado esquerdo, está a atriz Renee Olstead interpretando Becky, uma menina branca, de lábios e bochechas coradas, de cabelos longos castanhos. Ela veste um vestido polo preto e uma bolsa marrom do lado esquerdo do corpo. Ela olha para a mulher que está do seu lado direto. A mulher é a atriz Jennifer Garner interpretando a personagem Jenna Rink. Ela é uma mulher branca que usa batom cor de rosa e está com os cabelos castanhos presos em dois birotes. Ele usa um vestido regata Versace, nas cores verde, verde água e com uma faixa em marrom. no seu colo tem um colar em formato de borboleta verde. ela carrega do seu lado esquerdo uma bolsa pequena roxa.
“Eu não quero ser original, eu quero ser descolada” (Foto: Columbia Pictures)

Costanza Guerriero

30 é a idade do sucesso! Essa era a ideia que as páginas da revista Poise apresentavam para a jovem Jenna Rink (Christa B. Allen), em meio às cores, hits e looks da década de 1990. A imagem de mulheres magérrimas, elegantes, sensuais, e ainda, donas de suas próprias carreiras: a mulher de 30 anos faz tudo e de tudo, enquanto uma jovem de 13 anos pode apenas tirar péssimas fotos para o livro do ano e encher os sutiãs com papel higiênico. Vinte anos depois, as paredes da casa dos sonhos já estão um pouco desbotadas, mas será que ainda restam o glitter e pó do desejo nos quais De Repente 30 estava envolto em 2004? 

13 going on 30 (no original) chegou aos cinemas brasileiros em Agosto daquele ano e marcou uma geração que cresceu na era de ouro das comédias românticas de Hollywood, junto de seus contemporâneos: O Diário da Princesa e Como se Fosse a Primeira Vez. O longa-metragem, estrelado por Jennifer Garner e Mark Ruffalo, narra a história de Jenna (Christa B. Allen), que no seu desastroso décimo terceiro aniversário desejou tão fortemente ter 30 anos, que foi transportada para dezessete anos depois. Na badalada cidade de Nova York, ela tem tudo que sempre sonhou: um enorme apartamento, um closet recheado de grifes e o cargo de editora na revista que lia quando pré-adolescente. O que ela não esperava, é que a Jenna adulta (Garner) não é uma pessoa tão legal quanto ela imaginava e seu melhor amigo Matt (Ruffalo) não fala com ela há tempos. 

Cena do filme De Repente trinta. Na imagem estão os atores Christa B. Allen e Sean Marquette, sentados no chão sob um carpete cinza,em volta de uma casa de bonecas cor de rosa. A atriz interpreta Jenna Rink, ela é uma garota branca, com cabelos loiros presos e uma franja volumosa. Ela veste um top azul cravejado com pedras redondas, um cinto com o fecho em formato de flor e uma saia preta com bolinhas amarelas, roxas e azuis. Do seu lado esquerdo, está o ator mirim, um garoto branco com cabelos castanhos lisos, ele veste um casaco vermelho de ziper. Ela está despejando a purpurina de um saquinho laranja, sobre a casa de bonecas.
Diferentemente de Como Perder Um Homem em 10 dias, o longa não tem nenhuma perspectiva de reboot, mas o elenco se reuniu em uma videoconferência para celebrar seus vinte anos (Foto: Columbia Pictures)

Distribuída pela Columbia Pictures, a produção apostou em um tom divertido, no qual a química entre Ruffalo e Garner acontece no plano futuro, como se fosse uma espécie de sonho da protagonista – o que parece ser insinuado no primeiro take do filme com um céu azul ensolarado envolto de purpurina cor-de-rosa. Uma das principais críticas feitas pelo espectador de 2024 é apontar que Matt teria se apaixonado por uma garota de 13 anos no corpo de uma mulher. Tal acontecimento não é ponderado quando se olha pela perspectiva de que tudo seria fruto da imaginação da menina. Contudo, enquanto parte do público atual busca problematizar a trama, a outra metade ainda continua completamente deslumbrada por um dos mais consagrados friends to lovers do Cinema. 

Enquanto o romance entre Jenna e Matty é trazido sem malícia, algumas outras cenas de Garner com o coadjuvante Samuel Ball, intérprete do namorado da Jenna de 30  anos, refletem o estranhamento que uma adolescente teria com um homem mais velho fazendo streaptease. Garner conta que, na época, o desconforto da personagem era o que ela de fato estava sentindo ao gravar a cena, mesmo tendo a mesma faixa etária do colega de elenco. A forma como Jenna rejeita o namorado que sua versão adulta havia escolhido, deixa claro o que seria inapropriado e pouco atraente para uma menina, e a inocência do amor sentido na adolescência floresce quando ela valida o carinho e a diversão que vive com seu melhor amigo, mesmo que tudo ocorra na sua imaginação. 

Cena do filme De Repente 30. Um close dos atores Jennifer Garner e Mark Ruffalo conversando. Do lado esquerdo a atriz Garner interpreta Jenna Rink, uma mulher branca de cabelos castanhos, presos na lateral por uma presilha em forma de flor branca. Ela veste um vestido tomara que caia branco florido rosa, e usa um colar em formato de flor pequeno e laranja. Seus prazos estão cruzados sobre o peito e em um dos seus pulso ela veste um relógio. Ela está sorrindo, olhando para o ator Ruffalo, que interpreta Matt Flamhaff. Ele é um homem branco com cabelos castanhos escuros, veste uma camiseta marrom e está gesticulando com as mãos. ao fundo se-se uma tenta com araras e cabides com roupas, uma pessoa é vista em desfoque, próximo a equipamentos de filmagem como um autofalante.
Garner e Ruffalo trabalharam juntos novamente no filme O Projeto Adam, de 2022 (Foto: Columbia Pictures)

De Repente 30 carrega ainda outra problemática comum à época ao reforçar o estereótipo do corpo ideal magro e esbelto. O audiovisual da década de 2000 indubitavelmente foi um poderoso soldado da ditadura da beleza, que assombrou toda a geração millennial e que, hoje, é combatida com maior responsabilidade quando distúrbios de imagem e alimentares são retratados nas produções. Ainda que o filme reconheça o problema nesse discurso, mostrando como a substituição de mulheres reais por modelos causa a baixa autoestima de jovens mulheres e o que o bullying deve ser condenado, a mensagem fica pouco explícita, da mesma forma que ocorre em obras contemporâneas a ele como Mean Girls (Ano de lançamento) e Confissões de uma Adolescente em Crise (Ano de lançamento).

O bullying está bem representado no clichê das ‘Seis Gatinhas’, o ‘grupinho’ das meninas populares que Jenna tanto sonhava em fazer parte. A líder delas, Tom-tom (Alexandra Kyle) ou no salto temporal conhecida como Lucy (Judy Greer), acaba por ser aminimiga da protagonista, mas, apesar de quando criança ser um projeto de Regina George, na versão adulta, ganha a sagacidade de Greer, dando um toque cômico e irônico para a vilã. A qualidade do elenco é admirável, sobretudo quando se fala na escolha dos atores, crianças e adultos, não apenas pela incrível semelhança entre Greer e Kyle, mas também das próprias intérpretes de Jenna. A escolha foi tão certeira que Christina B. Allen chegou a interpretar, novamente, a versão mais jovem de Garner no filme Minhas Adoráveis Ex-Namoradas, de 2009. Vinte anos depois, Allen ainda é a cara de Garner, como mostra em seu Tik Tok.

Cena do filme De Repente 30. A atriz Garner interpretando Jenna está em foco, com cara de assustada. Ela é uma mulher branca de cabelos médios castanhos e lisos. Seu rosto marca uma expressão de susto, com a boca bem aberta e as sobrancelhas juntas. Ela veste uma camisola de cetim rosa e um tapa olho colorido ,que está posicionado em sua testa. Ela segura os seios com as duas mãos. Ao fundo vemos uma estante lateral com livros e vasos.
O diretor, Gary Winick, contou que, obviamente, não sabia nada sobre o que era ser uma ‘garotinha’ de treze anos, mas sabia o que era ter um desejo atendido depois de muito pedir e isso foi suficiente para nos convencer (Foto: Columbia Pictures)

Dirigido por Gary Winick e roteirizado por Josh Goldsmith e Cathy Yuspa, o longa-metragem bebeu da fonte de filmes como O Mágico de Oz (1939), A Felicidade não Se Compra (1946) e Quero ser Grande (1988), mas, apesar de se inspirar em renomados musicais, não se enquadra no gênero. O que ocorre é uma magnífica trilha sonora envolvente, assinada por Theodore Shapiro, trabalhando com a nostalgia de uma geração, que hoje são considerados clássicos do pop e também das comédias românticas. 

A dança ao som de Thriller, de Michael Jackson, que anima a todos na festa da revista Poise, já é consagrada como uma das melhores cenas da produção, mas antes de chegar lá, temos a icônica cena de Jenna descobrindo seu closet repleto de sapatos, vestidos e maquiagens ao som de I Wanna Dance with Somebody, na versão de Whitney Houston. Desse modo, o espectador é envolto por uma seleção musical que automaticamente o transporta para o final da década de 1990 e início de 2000, com Ice Ice Baby de Vanilla Ice e Love is a Battlefield de Pat Benatar.

Cena do filme De repente 30. A atriz Garner interpretando Jenna está em um quarto, em pé sobre a cama. Ela está com os braços e lábios abertos, como se cantasse uma música. Ela veste um conjunto de pijama cor de rosa e um cachecol rosa. Seus cabelos castanhos estão presos em um rabo de cavalo. Em torno da cama vemos quatros garotas com pijamas e roupas engraçadas, como casaco de pele animal print, sutiã por cima da camiseta e bolsas com pijama. o quarto tem as parede bege e um quadro horizontal acima da cama.
Na época, a trilha sonora do longa ficou no top 50 da parada musical estadunidense BIllboard 200 nos Estados Unidos (Foto: Columbia Pictures)

Não podemos deixar de citar Rick Springfield, o maior ídolo de Jenna, aparecendo em vários momentos, como na televisão de tubo no seu aniversário de treze anos e, até mesmo, em miniatura dentro da casa dos sonhos, que Matty constrói para ela. Jessie’s Girl tem seu momento especial em um dos cortes derradeiros, quando a protagonista está na sua clichê cena de perseguição do amor verdadeiro antes que ele se case com outra, em meio ao trânsito de táxis amarelos em Nova York. 

O figurino da produção é algo que cintila até os anos atuais. Não deve-se passar um mês sem que as redes sociais façam referência ao vestido colorido Versace, cuja réplica foi utilizada por Ariana Grande em um episódio do The Voice (2021) e por Bruna Marquezine, em 2023. A estética Y2K carregada pela peça retomou atenção nos anos dois mil e vinte, de modo que não apenas o icônico vestido, mas também os acessórios coloridos, jóias extravagantes e enfeites de cabelo pontiagudos utilizados por Jenna sejam corriqueiramente lembrados. A extravagância das lantejoulas e a lucidez do colar de borboletas utilizados no início da trama, aos poucos, vão sendo substituídos por looks mais sutis, vestidos floridos e calças jeans, acompanhando o desenvolvimento e amadurecimento da personagem, que para de acreditar nas modelos estampadas na fictícia revista Poise e passa a se compreender como uma pessoa de verdade.

Cena do filme De Repente 30. As atrizes Garner e Greer, estão apoiadas em um balcão em uma festa. Do lado esquerdo a atriz Garner interpreta Jenna e usa um vestido colorido , com as cores predominantes azul, verde, rosa e marrom. ela tem os cabelos castanhos presos e segura na frente do seu corpo uma bolsa pequena rosa. Do lado direto, a atriz interpreta Lucy, uma mulher branca com cabelos médios lisos e loiros. Ela usa um vestido sereia verde com rendas em preto. Ela está com as duas mãos posicionadas na cintura e olha para o lado.
A figurinista do longa afirma em entrevista para People Magazine que o verdadeiro vestido Versace foi perdido, mas que o restante do guarda-roupa ainda continua preservado
(Foto: Columbia Pictures)

A figurinista Susie DeSantos, em uma entrevista a People Magazine, conta que não imaginava a tamanha referência da cultura pop que o vestido Versace seria, contudo, o making of do filme, Making of a Teen Dream, aponta o desejo do diretor Winick em trabalhar com grandes marcas que, por fim, marcaram a década com suas coleções. Dentre elas, podemos citar Dolce & Gabbana, Miu Miu e Marc Jacobs. Essas grifes não vestiram apenas Garner, como também Greer em suas sensuais calças de cintura baixa e regatas de renda, além de Ruffalo, mesmo em suas simples vestes, que puderam refletir a personalidade introspectiva do fotógrafo.

O desenvolvimento da protagonista é bem refletido pelas vestimentas ao longo do enredo com ajuda da trilha sonora. A música Vienna de Billy Joel é centro da trama, quando Jenna percebe que mesmo tendo tudo aquilo que ela sempre sonhou na infância, de nada adiantava se ela as havia conquistado com mau caráter e longe das pessoas que verdadeiramente a amam. É o maior momento de reflexão no filme, no qual todos os jovens adultos podem se identificar. Se lembram quando desejamos tanto sermos adultos? Pois bem, esse momento chegou e é muito mais difícil do que imaginávamos. Jenna se enfiando na cama para dormir com a mãe e comendo panquecas em formatos de ursinho, representa aquilo que todos desejamos no momento em que as coisas se complicam: voltar a ser criança por um instante, na segurança e no acolhimento dos pais. O arco de redenção da personagem ocorre no momento em que se destaca na apresentação da nova imagem da revista que trabalha.

Cena do filme De Repente 30. A atriz Garner interpretando Jenna está no centro. Ela veste um conjunto de saia, camiseta e cardigan rosa claro. Seus cabelos castanhos estão soltos até a natura do ombro. ela segura uma bexiga cor de rosa. Ao fundo há três cartazes pretos com fotografias de beauty e moda, na sua frente há a beirada de uma mesa de mármore e a borda de um quadro branco aparece apoiado na mesa, com três bexigas nas cores rosa, amarelo e azul respectivamente.
“Acho que todos nós queremos sentir alguma coisa que já esquecemos ou rejeitamos porque não percebemos o quanto estávamos deixando para trás” (Foto: Columbia Pictures)

O monólogo de Jenna torna toda a mensagem do filme bem explícita, de uma forma até muito simplista, o que faz sentido considerando que a trama foi desenvolvida para o público juvenil. A jovem mulher propõe que a revista represente pessoas reais, do cotidiano das leitoras: como suas vizinhas; primas; meninas do colegial;  irmãs; entre outras. Assim, para que as garotas cresçam com representações de beleza real em cada etapa da vida e sejam incentivadas a aproveitar o que é bom em cada fase. 

Duas décadas após sua estreia, De Repente 30 pode não ser mais a primeira escolha do público para qual foi originalmente desenvolvido; os conceitos e as relações mudaram e muitas das referências já não fazem mais sentido. Contudo, a produção ainda é um excelente entretenimento para aqueles que cresceram assistindo ao filme na Sessão da Tarde. Hoje, disponível na Netflix para sempre que precisarmos nos lembrar de desacelerar e celebrar quem um dia já fomos. 

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