Costanza Guerriero
30 é a idade do sucesso! Essa era a ideia que as páginas da revista Poise apresentavam para a jovem Jenna Rink (Christa B. Allen), em meio às cores, hits e looks da década de 1990. A imagem de mulheres magérrimas, elegantes, sensuais, e ainda, donas de suas próprias carreiras: a mulher de 30 anos faz tudo e de tudo, enquanto uma jovem de 13 anos pode apenas tirar péssimas fotos para o livro do ano e encher os sutiãs com papel higiênico. Vinte anos depois, as paredes da casa dos sonhos já estão um pouco desbotadas, mas será que ainda restam o glitter e pó do desejo nos quais De Repente 30 estava envolto em 2004?
13 going on 30 (no original) chegou aos cinemas brasileiros em Agosto daquele ano e marcou uma geração que cresceu na era de ouro das comédias românticas de Hollywood, junto de seus contemporâneos: O Diário da Princesa e Como se Fosse a Primeira Vez. O longa-metragem, estrelado por Jennifer Garner e Mark Ruffalo, narra a história de Jenna (Christa B. Allen), que no seu desastroso décimo terceiro aniversário desejou tão fortemente ter 30 anos, que foi transportada para dezessete anos depois. Na badalada cidade de Nova York, ela tem tudo que sempre sonhou: um enorme apartamento, um closet recheado de grifes e o cargo de editora na revista que lia quando pré-adolescente. O que ela não esperava, é que a Jenna adulta (Garner) não é uma pessoa tão legal quanto ela imaginava e seu melhor amigo Matt (Ruffalo) não fala com ela há tempos.
Distribuída pela Columbia Pictures, a produção apostou em um tom divertido, no qual a química entre Ruffalo e Garner acontece no plano futuro, como se fosse uma espécie de sonho da protagonista – o que parece ser insinuado no primeiro take do filme com um céu azul ensolarado envolto de purpurina cor-de-rosa. Uma das principais críticas feitas pelo espectador de 2024 é apontar que Matt teria se apaixonado por uma garota de 13 anos no corpo de uma mulher. Tal acontecimento não é ponderado quando se olha pela perspectiva de que tudo seria fruto da imaginação da menina. Contudo, enquanto parte do público atual busca problematizar a trama, a outra metade ainda continua completamente deslumbrada por um dos mais consagrados friends to lovers do Cinema.
Enquanto o romance entre Jenna e Matty é trazido sem malícia, algumas outras cenas de Garner com o coadjuvante Samuel Ball, intérprete do namorado da Jenna de 30 anos, refletem o estranhamento que uma adolescente teria com um homem mais velho fazendo streaptease. Garner conta que, na época, o desconforto da personagem era o que ela de fato estava sentindo ao gravar a cena, mesmo tendo a mesma faixa etária do colega de elenco. A forma como Jenna rejeita o namorado que sua versão adulta havia escolhido, deixa claro o que seria inapropriado e pouco atraente para uma menina, e a inocência do amor sentido na adolescência floresce quando ela valida o carinho e a diversão que vive com seu melhor amigo, mesmo que tudo ocorra na sua imaginação.
De Repente 30 carrega ainda outra problemática comum à época ao reforçar o estereótipo do corpo ideal magro e esbelto. O audiovisual da década de 2000 indubitavelmente foi um poderoso soldado da ditadura da beleza, que assombrou toda a geração millennial e que, hoje, é combatida com maior responsabilidade quando distúrbios de imagem e alimentares são retratados nas produções. Ainda que o filme reconheça o problema nesse discurso, mostrando como a substituição de mulheres reais por modelos causa a baixa autoestima de jovens mulheres e o que o bullying deve ser condenado, a mensagem fica pouco explícita, da mesma forma que ocorre em obras contemporâneas a ele como Mean Girls (Ano de lançamento) e Confissões de uma Adolescente em Crise (Ano de lançamento).
O bullying está bem representado no clichê das ‘Seis Gatinhas’, o ‘grupinho’ das meninas populares que Jenna tanto sonhava em fazer parte. A líder delas, Tom-tom (Alexandra Kyle) ou no salto temporal conhecida como Lucy (Judy Greer), acaba por ser aminimiga da protagonista, mas, apesar de quando criança ser um projeto de Regina George, na versão adulta, ganha a sagacidade de Greer, dando um toque cômico e irônico para a vilã. A qualidade do elenco é admirável, sobretudo quando se fala na escolha dos atores, crianças e adultos, não apenas pela incrível semelhança entre Greer e Kyle, mas também das próprias intérpretes de Jenna. A escolha foi tão certeira que Christina B. Allen chegou a interpretar, novamente, a versão mais jovem de Garner no filme Minhas Adoráveis Ex-Namoradas, de 2009. Vinte anos depois, Allen ainda é a cara de Garner, como mostra em seu Tik Tok.
Dirigido por Gary Winick e roteirizado por Josh Goldsmith e Cathy Yuspa, o longa-metragem bebeu da fonte de filmes como O Mágico de Oz (1939), A Felicidade não Se Compra (1946) e Quero ser Grande (1988), mas, apesar de se inspirar em renomados musicais, não se enquadra no gênero. O que ocorre é uma magnífica trilha sonora envolvente, assinada por Theodore Shapiro, trabalhando com a nostalgia de uma geração, que hoje são considerados clássicos do pop e também das comédias românticas.
A dança ao som de Thriller, de Michael Jackson, que anima a todos na festa da revista Poise, já é consagrada como uma das melhores cenas da produção, mas antes de chegar lá, temos a icônica cena de Jenna descobrindo seu closet repleto de sapatos, vestidos e maquiagens ao som de I Wanna Dance with Somebody, na versão de Whitney Houston. Desse modo, o espectador é envolto por uma seleção musical que automaticamente o transporta para o final da década de 1990 e início de 2000, com Ice Ice Baby de Vanilla Ice e Love is a Battlefield de Pat Benatar.
Não podemos deixar de citar Rick Springfield, o maior ídolo de Jenna, aparecendo em vários momentos, como na televisão de tubo no seu aniversário de treze anos e, até mesmo, em miniatura dentro da casa dos sonhos, que Matty constrói para ela. Jessie’s Girl tem seu momento especial em um dos cortes derradeiros, quando a protagonista está na sua clichê cena de perseguição do amor verdadeiro antes que ele se case com outra, em meio ao trânsito de táxis amarelos em Nova York.
O figurino da produção é algo que cintila até os anos atuais. Não deve-se passar um mês sem que as redes sociais façam referência ao vestido colorido Versace, cuja réplica foi utilizada por Ariana Grande em um episódio do The Voice (2021) e por Bruna Marquezine, em 2023. A estética Y2K carregada pela peça retomou atenção nos anos dois mil e vinte, de modo que não apenas o icônico vestido, mas também os acessórios coloridos, jóias extravagantes e enfeites de cabelo pontiagudos utilizados por Jenna sejam corriqueiramente lembrados. A extravagância das lantejoulas e a lucidez do colar de borboletas utilizados no início da trama, aos poucos, vão sendo substituídos por looks mais sutis, vestidos floridos e calças jeans, acompanhando o desenvolvimento e amadurecimento da personagem, que para de acreditar nas modelos estampadas na fictícia revista Poise e passa a se compreender como uma pessoa de verdade.
A figurinista Susie DeSantos, em uma entrevista a People Magazine, conta que não imaginava a tamanha referência da cultura pop que o vestido Versace seria, contudo, o making of do filme, Making of a Teen Dream, aponta o desejo do diretor Winick em trabalhar com grandes marcas que, por fim, marcaram a década com suas coleções. Dentre elas, podemos citar Dolce & Gabbana, Miu Miu e Marc Jacobs. Essas grifes não vestiram apenas Garner, como também Greer em suas sensuais calças de cintura baixa e regatas de renda, além de Ruffalo, mesmo em suas simples vestes, que puderam refletir a personalidade introspectiva do fotógrafo.
O desenvolvimento da protagonista é bem refletido pelas vestimentas ao longo do enredo com ajuda da trilha sonora. A música Vienna de Billy Joel é centro da trama, quando Jenna percebe que mesmo tendo tudo aquilo que ela sempre sonhou na infância, de nada adiantava se ela as havia conquistado com mau caráter e longe das pessoas que verdadeiramente a amam. É o maior momento de reflexão no filme, no qual todos os jovens adultos podem se identificar. Se lembram quando desejamos tanto sermos adultos? Pois bem, esse momento chegou e é muito mais difícil do que imaginávamos. Jenna se enfiando na cama para dormir com a mãe e comendo panquecas em formatos de ursinho, representa aquilo que todos desejamos no momento em que as coisas se complicam: voltar a ser criança por um instante, na segurança e no acolhimento dos pais. O arco de redenção da personagem ocorre no momento em que se destaca na apresentação da nova imagem da revista que trabalha.
O monólogo de Jenna torna toda a mensagem do filme bem explícita, de uma forma até muito simplista, o que faz sentido considerando que a trama foi desenvolvida para o público juvenil. A jovem mulher propõe que a revista represente pessoas reais, do cotidiano das leitoras: como suas vizinhas; primas; meninas do colegial; irmãs; entre outras. Assim, para que as garotas cresçam com representações de beleza real em cada etapa da vida e sejam incentivadas a aproveitar o que é bom em cada fase.
Duas décadas após sua estreia, De Repente 30 pode não ser mais a primeira escolha do público para qual foi originalmente desenvolvido; os conceitos e as relações mudaram e muitas das referências já não fazem mais sentido. Contudo, a produção ainda é um excelente entretenimento para aqueles que cresceram assistindo ao filme na Sessão da Tarde. Hoje, disponível na Netflix para sempre que precisarmos nos lembrar de desacelerar e celebrar quem um dia já fomos.