Vitória Borges
Exibida nos prestigiados Festival Internacional de Cinema de Munich e Festival do Rio, a produção brasileira Continente faz parte da seção Mostra Brasil na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O longa, que acompanha a história de um simples vilarejo nas planícies do Sul do país, mostra uma narrativa muito distópica que aborda o colonialismo, misturando drama com horror.
Produzido por Davi Pretto e distribuído pela Vitrine Filmes, Continente mergulha na vida de Amanda (interpretada por Olivia Torres) que está de volta ao Brasil após passar 15 longos anos morando na França com seu namorado Martin (Corentin Fila). Na trama, a jovem retorna ao país pois seu pai, Agenor, adoece e está à beira da morte, o que acarreta diversos rumores a respeito da saúde do velho fazendeiro que comanda a pequena cidade pacata sulista.
Com uma estética ruralista que se aproxima a Bacurau (2019), a obra de Davi Pretto carrega muito suspense e mistério, que fazem parte da construção narrativa, criando uma atmosfera de tensão e expectativa no espectador. Personificando os trabalhadores rurais através de atos vampirescos, os zumbificando e deixando à mercê de seu patrão – que explora sua mão de obra –, os moradores da pequena cidade se veem em uma posição que remete a escravidão.
Sobrepondo o peso de que “a mentira corrói a alma de quem mente”, a Fotografia de Luciana Baseggio adota um tom sombrio, com cores escuras e elementos filmados pela câmera que nos deixam desconfortáveis. Apesar de ter uma ótima trama, seu ritmo delibera sua atmosfera e acaba tornando-a muito lenta, o que deixa a desejar em determinados frames do longa, abrindo abas para a falta de clareza e entendimentos de certos acontecimentos.
Através de componentes que remetem a Desejo e Obsessão (2001) de Claire Denis, a sonoridade é o que mais chama atenção dentro de Continente. O prazer no apetite voraz dos personagens pelo sangue e o perturbador ‘acordo’ que os moradores possuem com dono da grande propriedade cumprem com seu objetivo de abordar um lado feroz e metafórico, ressaltando a crítica sobre ‘dar o sangue pelo trabalho’ feita pelo longa.
Apesar de buscar um apelo para o lado visceral do Cinema, Continente apresenta uma história um tanto macabra e selvagem. Em um ato metafórico e explícito que caminha entre a persistência de um sistema hierárquico e as marcas do colonialismo, o longa se sobrepõe como uma excelente produção de horror brasileira.
Continente entrega um enredo profundo, em que as relações de poder são tanto elementos de conflito quanto de reflexão, ecoando as vozes do presente e do passado em um Brasil que é, ao mesmo tempo, uma herança e uma prisão. Os símbolos e valores se rompem em um grande mar de sangue, nos deixando uma reflexão: no fim, quem suga o sangue de quem?