Matheus Santos
São poucas as produções visuais que ousam explorar o lado mais sombrio e intrigante de Hollywood. No entanto, quando se trata de transcender os limites do convencional, poucos cineastas podem rivalizar com a maestria de David Lynch. O estilo único e inovador do diretor e roteirista não apenas desafia as expectativas, mas também a psique humana, revelando camadas de complexidade que muitos hesitam em explorar.
Lana Del Rey é um exemplo marcante nesse contexto. A cantora ganhou destaque ao explorar a ilusória e, muitas vezes, avassaladora realidade da fama em seu videoclipe da faixa Candy Necklace, que rendeu a ela duas indicações no Video Music Awards e a vitória do prêmio de Melhor Clipe Alternativo.
Como no videoclipe da artista e a relação com o Cinema, o longa-metragem Inland Empire (2006), de Lynch, nos transporta para um mundo intrigante e surreal, ao mergulhar em um universo de multiplicidade, mistério e perturbação. A narrativa se assemelha a um quebra-cabeça em que as peças se movem de maneira inesperada, explorando temas essenciais da nossa existência, como identidade, ilusão e a artificialidade da fama.
O enredo acompanha a trajetória de uma atriz aspirante, interpretada por Laura Dern (Jurassic Park, Adoráveis Mulheres), cuja imaginação gradualmente se entrelaça de maneira inquietante com sua própria realidade. À medida que ela se transforma na personagem de seu novo papel, somos levados por uma montanha-russa de experiências que mostram os sorrisos forçados e o vazio evidente em seu olhar, revelando a solidão e a alienação que muitas vezes perseguem a fama.
Desde sua estreia na indústria fonográfica em 2012, Lana Del Rey evoca com fascínio e magnetismo os símbolos e personagens da juventude rebelde e idealista da era de ouro do Cinema norte-americano em suas composições. A menção ao passado não se limita apenas às letras das músicas; a artista também o faz ao conceber sua identidade vintage e excêntrica no clipe de Candy Necklace.
Com o lançamento de Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd, a cantora reuniu e consagrou elementos nostálgicos no videoclipe da faixa em parceria com Jon Batiste, Candy Necklace. O vídeo foi indicado em duas categorias no VMA e venceu a de Melhor Clipe Alternativo, sendo a única produção visual que captura a atmosfera saudosista de seu nono álbum de estúdio.
Com direção de Rich Lee, conhecido por criar videoclipes com uma estética cinematográfica e por trabalhos com outros cantores como Black Eyed Peas e Shakira (Girl Like Me), Billie Eilish (all the good girls go to hell), e Eminem (Rap God, Not Afraid), o vídeo em preto e branco constitui-se como uma história épica com mais de 10 minutos. A habilidade de contar essa história mesclando cenas dos bastidores do próprio clipe combina perfeitamente com a suavidade inesquecível do piano de Jon Batiste.
Desde o início do clipe, Lana Del Rey apresenta a nostalgia e a elegância da era dourada hollywoodiana, aqui celebrada com detalhes. Isso é especialmente evidente nas técnicas de efeitos visuais antigos que, apesar de sua simplicidade, conseguem realçar grandemente a obra, destacando cada particularidade cuidadosamente elaborada.
Assim como em Inland Empire, Lana Del Rey não é apenas uma intérprete, mas uma criadora de personas emblemáticas do Cinema, como Marilyn Monroe e Elizabeth Short, dentro de seu próprio universo cinematográfico. Essa transformação vai além de uma mera representação; é uma incorporação profunda, na qual ela se funde com esses ícones da tela, dando vida às suas nuances e tragédias.
A cantora também faz referência aos primeiros anos da própria carreira, quando foi alvo de críticas intensas relacionadas à sua aparência e a seu estilo musical. Naquela época, a imprensa a rotulou como uma farsa, uma jovem rica cuja identidade inteira parecia ter sido construída por uma grande gravadora.
O diálogo interno de Lana Del Rey, compartilhado com a equipe de produção nos bastidores do clipe, revela uma reflexão sobre as escolhas que artistas fazem para alcançar e manter a fama. Ela reconhece a necessidade de alterar nomes e aparências, questionando como essas mudanças afetam a identidade de alguém: “O motivo pelo qual tudo deveria estar nos bastidores era porque todas essas mulheres que, tipo, mudaram seus nomes, mudaram seus cabelos, como eu e tudo mais… É como se todas elas tivessem caído em diferentes buracos de cobra. Então o ponto é, como você aprende com isso e não cai no seu próprio buraco?”
O ápice do clipe insinua as consequências sombrias da busca implacável pela fama com colares de doce, diamantes e rubis caindo em um líquido vermelho. A referência ao assassinato de Elizabeth Short, conhecida como Dália Negra, e que foi tema de um filme dirigido por Brian De Palma em 2006, adiciona uma nota trágica à narrativa. Isso sugere que a obsessão desenfreada pela fama pode resultar em consequências devastadoras.
Candy Necklace é mais uma produção audiovisual que se une ao panteão de clipes nostálgicos e autênticos de Lana Del Rey, constituindo-se como obras-primas do gênero alternativo. É uma reflexão sobre a natureza efêmera e muitas vezes ilusória da fama, apresentada com complexidade e glamour. Depois do simbolismo religioso provocativo e da atmosfera sonhadora do curta-metragem Tropico (2013), Del Rey mais uma vez demonstra sua capacidade de criar não apenas Música, mas também uma narrativa visual envolvente que desafia o espectador a questionar as noções convencionais de sucesso e identidade na cultura das celebridades contemporâneas.