Guilherme Luis
“Sweetener”, o quarto álbum de Ariana Grande foi lançado em agosto envolto em muita expectativa, seja dos fãs ou da crítica. Isso porque o disco prometia muito por todo o material que fora lançado até então. Além disso, soma-se o fato de que esse é o primeiro trabalho da cantora após o atentado terrorista em seu show em Manchester e as entrevistas que ela mesmo deu afirmando de que esse seria seu disco mais pessoal… não deu outra: as esperanças e as pré-afirmações de que esse seria o melhor CD pop do ano não eram poucas. No que será que isso deu?
A era começou com o lançamento do excelente single “no tears left to cry” em abril, com direito a um clipe muito bem produzido, coreografado e editado. Trabalho grande, profissional mesmo. Visualmente lindo, um dos grandes marcos pra videografia de Ariana – e a música não fica atrás. Apesar de não ser um enorme hit, Ariana surpreendeu a todos com um som diferente do que está acostumada a fazer; no tears segue a linha clássica de estrutura de um bom single pop, mas com uma sonoridade diferenciada, que causa muita estranheza de início e mesmo assim gruda na cabeça de todo mundo em pouco tempo. A letra não fala especificamente sobre Manchester, mas a mensagem é clara: não há mais lágrimas pra chorar, estou num estado mental do qual não quero sair. Estado mental e insistir na felicidade são dois temas que se farão muito presentes em todo o álbum, bem como essa sonoridade diferenciada.
Em junho, Ariana lança um promo-single ao redor do qual a expectativa estava nas alturas: “the light is coming”, com participação de Nicki Minaj. Essa é a quinta parceria das duas cantoras e a terceira de Nicki num álbum de Ariana. TLIC resume bem o que foi dito sobre sonoridade diferente: essa soa até esquisita à primeira ouvida. A estrutura padrão é invertida aqui, e Nicki abre a música com seu verso, seguida do refrão de Ariana, versos e refrões da Ariana. Esse promo single dividiu opiniões; enquanto metade achou inovador e chiclete, outros acharam extremamente repetitiva e decepcionante. TLIC soa sim repetitiva na sua repetição inconstante no título da música, mas soa também fresh em meio a tanta mesmice no mundo pop; sinto também que foi um bom jeito de Ariana mostrar a que o álbum veio – e que isso não era o senso comum o quê, de forma alguma, é ruim. Fora lançado também um clipe que passou bem apagado em contradição com a letra da música que afirma que “tem uma luz chegando pra devolver tudo o que a escuridão roubou”. Não é estranho parecer um recado sobre Manchester também.
Em julho, por fim, o segundo e último single antes do grande lançamento – e, já adianto aqui, a melhor música do álbum e uma das mais impactantes de toda a carreira de Ariana, “God is a woman” chegou já envolta em muita polêmica acerca de o que significaria realmente seu título e até com pedidos de boicote por parte de certos grupos religiosos. Seu clipe é um espetáculo à parte e, com certeza, o melhor clipe de Ariana Grande. Possui inúmeras referências à arte, inúmeras cenas fazendo alusão ao corpo da mulher e em como ele é essencial para o mundo, para o nascimento, para o mantimento e inúmeros momentos de ode ao feminismo (incluindo um poderosíssimo discurso de Madonna). Na letra, o Deus que é uma mulher de Ariana é mais como a mulher na relação de dois, nos quais nos momentos mais íntimos a mulher se firma como Deus de tão maravilhosa. Mas o clipe deixa bem claro: isso é um hino feminista, uma reivindicação pelo reconhecimento das mulheres e uma crítica a tudo que fora feito (na Arte, por exemplo) nas quais elas são simplesmente ignoradas. A última cena do clipe resume totalmente o conceito dessa música e é, instantaneamente, uma imagem icônica.
Portanto, depois de toda essa divulgação do Sweetener não tinha como não esperar um hinário do mundo pop, né? Infelizmente, o tombo aconteceu. Aconteceu porque Ariana não fez mais nenhuma música tão impactante quanto os dois singles e, se o feat. com Nicki já soava esquisito, à primeira ouvida o Sweetener não parece nem um pouco doce – mas deixa um gosto amargo e decepcionante. Contudo, não é de todo ruim. Alguma faixas se salvam sim, poucas prometem ser um bom single futuro e muitas soam mais como um filler (música pra encher linguiça).
“successfull”, “pete davidson”, “goodnight n go” e “sweetener” são quatro bons exemplos de música filler. Pouquíssimo acrescentam no quesito sonoridade e letra. “successfull” fala sobre como é bom ser tão nova e tão bem sucedida (sério, Ariana?); “pete davidson” é simplesmente uma homenagem ao atual noivo da cantora e a própria reconhece que isso é quase como uma tatuagem. A música é curtíssima e não acrescenta em nada. “goodnight n go” tem um refrão que mais parece vindo do Yours Trully (isso não é de jeito nenhum uma ofensa), mas não segue a tal evolução de sonoridade que o resto do álbum todo apresenta. E, por fim, é uma pena que faixa título do álbum, “sweetener” seja tão apagadinha perto do resto do disco. Uma letra quase infantil sobre acabar com os problemas da vida e tentar adocica-la – nada incrível nem inovador. Passa batido.
“R.E.M.” é uma das mais peculiares do disco. Essa sigla se refere ao estágio do sono em que os sonhos são mais vívidos (e também no qual os momentos eróticos dos sonhos aparecem). A música é muito sobre isso: “garoto, você é um sonho e eu não quero acordar”. A sonoridade dessa é uma das que soa esquisita logo de cara – mas, em contraponto, é uma das que você começa a gostar com o tempo. Tem motivo para não parecer nada Ariana Grande: essa música é, na verdade, um descarte de Beyoncé, que teve a música vazada e descartou-a. Existe a demo na voz de Bey, inclusive, para ser ouvida na Internet. O mais interessante é que mesmo sem saber disso, a faixa lembra produções mais antigas da Beyoncé; essa nova versão teve algumas alterações, é claro, tanto em letra quanto em produção (que é do Pharrell – que comanda boa parte das produções do disco).
Falando em Pharrell, “blazed” tem sua participação e é uma das mais entediantes do disco. É claramente uma sonoridade clássica do Pharrell, muito mais do que da Ariana, e parece mais que é uma música de um álbum dele com participação dela. Essa soa esquisitíssima e, mesmo com o tempo, não melhorou. O outro e último featuring do álbum também não é muito feliz, apesar de parecer impactante: Missy Elliott na faixa “borderline”. De novo, Ariana testando uma sonoridade que não combinada nada com ela e não se torna nem perto de marcante. Uma pena.
Lembra que estado mental seria um tema recorrente no disco? Ansiedade se faz presente em duas faixas, “breathin” e “get well soon”. Ariana afirmou que demorou pra decidir se falaria de um assunto que para ela é tão pessoal num disco que promete “adocicar” a vida do público. Mas que no fim, decidiu que é importante ser transparente em relação a isso e percebeu que isso poderia, inclusive, ajudar muitos fãs que passam pelo mesmo problema. “breathin” é a faixa que soa mais Ariana dos dois últimos álbuns: bem pop, com um refrão excelente e com uma linda mensagem. A faixa é bem literal sobre os problemas e efeitos da ansiedade no corpo e na mente de alguém. “Apenas continue respirando”, diz a cantora. Já “get well soon”, que fecha o disco não é tão óbvia em sua letra, mas fala muito sobre uma menina que está presa demais em sua mente. A mensagem aqui é de que você pode conseguir chegar ao topo e de que quem te ama estará lá pra te ajudar. Essa é uma das faixas que mais faz referência ao ocorrido em Manchester – e tem pouco mais de 40 segundos de silêncio para que a faixa termine com 5 minutos e 23 segundos, números que fazem referência à data do atentado (23/05). É um ótimo encerramento ao álbum.
E, assim como encerra bem, Sweetener tem uma primeira faixa incrível – e a única na qual Ariana realmente entrega todo seu poder vocal. “raindrops (na angel cried)” é uma intro curtinha, à capella e lindíssima. Pura voz de Ariana – o que é incrível por si só.
“everytime” é uma faixa poderosa sobre relacionamentos abusivos. Na letra, Ariana se pergunta o porquê de ela voltar para ele mesmo com ele fazendo tão mal para ela. Tem refrão chiclete, mensagem importante e sonoridade pop: cara de single. E, finalmente, o grande destaque do álbum (depois dos dois singles) para mim fica com “better off”, que também fala sobre um relacionamento tóxico. Essa faixa acerta em cheio no quesito “sonoridade diferentona” que é muito mais dark e lenta do que Ariana está acostumada. A letra é também um ponto excelente da música – tanto os versos quanto o refrão têm frases certeiras sobre deixar alguém que faz mal para trás. Pode ser single também.
Esse é o “Sweetener” de Ariana Grande. Esperamos demais dele e ele chegou com uma proposta totalmente diferente da que esperávamos. Maldição do quarto álbum? Acredito ser mais como um momento de grande maturidade e de testes para Ariana, principalmente depois de três trabalhos tão bem sucedidos comercialmente. Que o próximo não seja tão extremo, mas sim uma mistura desses dois mundos de Ariana.