Felipe Monteiro
“Olhando de perto, ninguém é normal.” Essa citação é o ponto de partida para o enredo de Síndromes, peça de Miguel Falabella e Maria Carmen que aborda problemas psicológicos modernos.
Em Copacabana, Rio de Janeiro, o cotidiano dos pacientes da Dra. Marcela é relatado sob um olhar de análise da psicóloga. Suas síndromes e distúrbios se manifestam em meio às rotinas do dia a dia, e nesse ângulo somos convidados a assistir as fragilidades humanas por meio das histórias que se entrelaçam, unindo as personagens que se julgam, apontam dedos, mas convivem em harmonia desastrosa – como em uma metáfora de nossas vidas. O enredo une os caminhos dos pacientes em um encontro desconcertante que expõe ainda mais os medos e inseguranças e acaba por transformar as relações entre eles.
Cada personagem tem uma síndrome, elas perpassam a hipocondria, anorexia, síndrome do pânico e outras; a peça aborda essas questões com toques de humor e crítica, pontuando a hipocrisia nas relações sociais superficiais e na vida de aparências da classe média. Ainda nas personagens, todas são extremamente estereotipadas e carregadas, com um leve ar de kitsch, marca característica do autor, o que não permite um aprofundamento psicológico tão intenso. Entretanto, as atuações acabam não sendo espalhafatosas devido à sábia dosagem do diretor Julio Zaicoski.
Os destaques de interpretação ficam por conta de Nando Andrade, que assume o delegado hipocondríaco, Aline Prado, dando vida à secretária burlesca, Vanessa Usó, que assume o papel de uma senhora com mais de 20 cirurgias, e Andressa Cisneiro, com o papel da secretária do prefeito com mania de perseguição e transtorno obsessivo-compulsivo. Todos esses roubam a atenção ao assumirem intensamente seus papéis, mergulhando profundamente na interpretação das personagens e seus distúrbios.
O texto é repleto de falas, muitas até são jargões e frases feitas, o que limita a expressão das personagens aos diálogos e acaba por trazer um espectro geral um tanto raso. O cenário tem um quê de minimalista: a única decoração é composta de caixas de remédios penduradas pelo palco.
Uma comédia leve e de certa forma irônica, com um ápice de aprofundamento dos sentimentos humanos e sublimação dos distúrbios em uma catarse de confraternização entre os corações perdidos das personagens, Síndromes é uma peça que peca em profundidade, mas que nos proporciona um segundo olhar sobre nossas manias e desarranjos que, mesmo por baixo da lisonja social, nos tornam humanos e igualmente frágeis.