Leticia Stradiotto
AM. É uma abreviação? Madrugada? Radiofrequência? Não existe uma resposta correta. Seria mais fácil juntar tudo em uma explicação só: AM é a abreviação que encapsula a essência do Arctic Monkeys como uma madrugada interminável, na qual a radiofrequência das guitarras distorcidas e os versos envolventes de Alex Turner conspiram e nos seduzem para a atmosfera dos becos britânicos. Separe seu gel de cabelo, vista uma jaqueta de couro, invista em óculos escuros (principalmente se for à noite) e, por favor, não esqueça do cigarro na mão, pois há uma década era lançado ao mundo o disco que influenciaria uma geração de jovens e catapultaria a banda para o estrelato.
Originários dos subúrbios da cidade de Sheffield, na Inglaterra, a banda foi formada em 2002 e rapidamente se destacou na cena musical alternativa. Em Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, o recorde de álbum de estreia mais vendido na história do Reino Unido foi quebrado pelo grupo. Até então, os britânicos haviam liderado o gênero indie com grandes influências de The Clash, The Smiths e The Strokes. No entanto, em 2013, sua proposta foi modificada e eles finalmente decidiram abraçar o hard rock.
Apesar de ganhar notoriedade global em oito anos de carreira, o Arctic Monkeys ainda era considerado uma banda de menor expressão antes de AM. A grandiosidade do álbum conquistou lugares que eles ainda não haviam alcançado. Em números, estreou no topo das paradas musicais e liderou vendas com mais de 150 mil cópias na primeira semana de lançamento. Em 2023, o grupo foi certificado três vezes platina pela Recording Industry Association of America (RIAA) com mais de 3 milhões de cópias. A recepção não se limitou apenas aos formatos digitais e físicos, mas também se estendeu ao vinil, se tornando um dos mais comercializados da década, provando mais uma vez o status do grupo como um dos mais influentes da atualidade.
Tão icônico hoje quanto no dia de seu lançamento, o álbum é o ponto de virada da carreira da banda. A mudança ousada de estilo e o sucesso comercial solidificaram o lugar de AM em uma obra-prima que moldou o som contemporâneo e o conectou profundamente com uma geração que estava se tornando cada vez mais envolvida com questões de identidade, desejos e descobertas emocionais.
Conectado intrinsecamente ao fenômeno do Tumblr – uma plataforma de blogs que, em seu auge nos primeiros anos do século 21, era marcada por uma estética que abraçava a melancolia da adolescência -, o disco prosperou por meio das letras de Alex Turner que encontraram ali um lar, com linhas sobrepostas de memórias sobre fotografias vintage de garotas fumando ou citações em máquinas de escrever. As pessoas se apropriaram do álbum, tanto fisicamente quanto emocionalmente, usando-o como uma projeção de suas próprias experiências, sejam elas os corações partidos, as noites selvagens ou as saudades de amores desconcertantes – além de muito mais daquilo que, com certeza, todo mundo já passou na excêntrica juventude.
Com influências musicais amparadas em Black Sabbath e The Velvet Underground, AM é o trabalho que a banda sempre desejou criar e que os fãs sempre desejaram ouvir. Uma fusão dos riffs de Humbug com o pop do Suck It and See deu origem ao som sensual característico. É a mistura de todas essas influências presentes em suas discotecas anteriores que resulta em uma sonoridade verdadeiramente única. Arctic Monkeys captura perfeitamente o espírito da cena musical britânica da época com letras que fazem referência a bares, festas noturnas, cotidiano e até mesmo a estética visual do ambiente.
Contendo 12 faixas e 4 singles, destacam-se entre as músicas mais populares do álbum, Do I Wanna Know?, Why’d You Only Call Me When You’re High? e RU Mine?. Certamente, com tantas interrogações, o disco reflete, mais uma vez, as dúvidas e incertezas de uma geração alimentada por amor e desejo, conectando a autonomia e personalidade distintiva da banda com seus ouvintes. One For The Road, por exemplo, transmite o desejo e a paixão por meio dos riffs e sussurros do vocalista Alex Turner.
Arabella tem uma cabeça dos anos 1970, mas é uma amante moderna. É o primeiro rock psicodélico no álbum, também responsável por caracterizar a presença de Black Sabbath que, assim como a garota da canção, surge na década setentista e influencia o heavy metal em guitarras distorcidas. A icônica e romântica I Wanna Be Yours foi inspirada no poema do poeta punk John Cooper Clarke, dando uma profundidade lírica à construção da faixa.
Entre a conexão de experiências pessoais e relacionamentos românticos, surge o par Alexa Chung e Alex Turner. Você deve ter ouvido falar do casal britânico ou pelo menos já se deparou com a tão famosa carta de amor perdida. Eles eram considerados um dos casais mais badalados do Reino Unido e atraíam constantemente a atenção da mídia. O relacionamento começou em meados de 2007 e durou até 2011, dois anos antes do lançamento de AM. Dizem as más línguas que as faixas Fireside e Knee Socks foram escritas para a modelo que, frequentemente, usava meias até os joelhos. Assim como as demais canções, que contribuem para a atmosfera provocante, não é bobagem falar que o grande sucesso do disco veio de um coração partido.
Ao longo de uma década, a obra do Arctic Monkeys provou ser duradoura. Em uma atmosfera incrivelmente sedutora com a voz corrosiva de Turner, somos transferidos para encontros noturnos, flertes intensos e quartos de hotel onde as escolhas erradas são frequentemente feitas. Mesmo com a evolução da banda em novos discos, como Tranquility Base Hotel & Casino e The Car, eles nunca escaparão do legado de AM.
Mais do que um álbum, o trabalho é um retrato sonoro de uma época, uma trilha sonora para a juventude eternamente cativada pela mistura única de sensualidade, paixão e autenticidade. A obra ressoa o clima irresistivelmente sexy que, mesmo com 10 anos, ainda nos envolve com sua aura de mistério e atração. Arctic Monkeys trouxe à tona um espaço de identificação para adolescentes cheios de experiências intensas, e que agora são adultos expressivos, ou pelo menos, nostálgicos acerca de suas paixões rebeldes na juventude. Por que, afinal, iríamos querer sair dessa?