Raquel Freire
Ambientada em uma visão extremamente colorida do ensino médio, Sex Education sempre ancorou sua narrativa em um ditado simples, mas poderoso: o sexo e toda a ansiedade que o envolve são fundamentais para o senso de identidade de cada adolescente. Ao abraçar sem pudores o potencial didático de sua premissa, cumprindo a promessa provocativa do título em cada um de seus episódios, a quarta e última temporada da série encerra organicamente o ciclo e enfatiza que seu espaço no topo foi conquistado desde o início, o que muitos já sabiam.
Sex Education é um dos títulos que fizeram parte da saga da Netflix em lançar dezenas de séries por ano para rechear seu portfólio com produções originais, a fim de tornar o catálogo terceirizado obsoleto. Para atingir isso, o nível das obras precisaria ser indiscutível, o que não acontece com todos os gêneros – e as obras adolescentes são um grande exemplo. Indo contra a maré e em meio a títulos como 13 Reasons Why e Everything Sucks, a criação de Laurie Nunn triunfou desde a primeira temporada, tornando-se um sucesso tanto em público quanto em crítica.
Grande parte de sua aclamação se dá graças ao seu roteiro. Qualquer pessoa que já assistiu pelo menos duas séries adolescentes reconhece um padrão e sabe tudo o que pode encontrar nesse universo; se não forem tratadas com inteligência, as tramas clássicas deste estilo se resumem ao ‘cntrl C, cntrl V’. É com isso em mente que Sex Education define sua estratégia de passear por vários assuntos comuns no gênero tendo a catarse como alvo. Assim, mesmo que os personagens passem por crises, as epifanias e resoluções positivistas entregam um transe catártico a quem assiste.
No decorrer de suas temporadas, a série teve o cuidado de não designar os títulos de mocinho e vilão a nenhum de seus personagens. Ao assistir aos dois pontos de vista de discussões cada vez mais complexas e cheias de nuances, torna-se impossível não compreender os dois lados e enxergar essas pessoas como pessoas, o que só melhorou a experiência de acompanhar a jornada até o seu fim.
Como nas temporadas anteriores, a quarta e última também é gloriosamente queer e não pensa duas vezes antes de colocar personagens LGBTQIA+ à frente, tal qual Heartstopper. Escritos por Nunn, Troy Hunter, Krishna Istha, Ethan Harvey, Annalisa Dinnella, Bella Heesom e Thara Popoola, os últimos capítulos da série podem ser vistos como uma despedida poderosa, sincera e profundamente emocional.
Em um movimento curioso para o último ano de um seriado – mas que aprofunda o foco difuso que sempre teve –, Sex Education abraça um novo cenário, novos marcos e novos personagens. Maeve (Emma Mackey) está nos Estados Unidos estudando para ser uma escritora, Adam (Connor Swindells) está a procura de um trabalho e a maioria da turma passou a frequentar uma nova escola, a Cavendish College, um paraíso de educação consciente em um campus com tecnologia de ponta que é muito mais progressista do que a heterossexual Moordale Secondary. Além disso, Otis (Asa Butterfield) se depara com uma terapeuta sexual, O (Thaddea Graham), e passa a lutar com ela por espaço.
A esse ponto, existe um consenso entre os fãs da série de que a atuação de Ncuti Gatwa como o icônico, magnífico, vulnerável e profundamente apaixonado Eric Effiong é impecável. Gatwa é abertamente espontâneo, sem filtros e teatral toda vez que entra em cena ou precisa internalizar a frustração ou a empolgação do personagem, sendo sempre um dos pontos altos do episódio. Entretanto, para além de seus monólogos exasperados, o ator leva Eric para um campo complexo e filosófico nesta temporada com sua complicada jornada por ser gay e religioso. O relacionamento dele com sua fé, sua família e sua comunidade cristã se torna um dos arcos mais convincentes da temporada, ao passo que Sex Education se apoia no surrealismo para retratar seus encontros espirituais.
Além disso, essa é a primeira vez que o personagem possui um grupo sólido de amigos queers. À medida que Eric é abraçado por eles, deixa seu verdadeiro eu voar – tanto em seu guarda-roupa quanto em seu coração. O jovem encontra apoio e compreensão especialmente em Abbi (Anthony Lexa), enquanto os dois refletem sobre o que significa ser cristão e fazer parte da comunidade LGBTQIA+, sentindo-se incapaz de viver sua verdade e tendo que “esconder partes de mim com as quais os outros talvez não se sintam confortáveis”. É muito satisfatório ver um personagem tão querido encontrar um lugar seguro para questões tão profundas e pessoais, ainda que isso tenha acontecido de forma tardia.
Emma Mackey também é excelente como a rebelde e taciturna Maeve, lidando com a desconexão de seu lar juntamente com as complexidades do privilégio e da pressão acadêmica da faculdade norte-americana. Embora a história da personagem a tenha levado a lugares sombrios durante toda a série, na quarta temporada, a atriz a leva ao limite por meio da perda e da tragédia em sua família disfuncional, e poucas conseguiriam fazer isso com tanta maestria. Em uma das melhores cenas da temporada, um momento raro e vulnerável entre Jean (Gillian Anderson) e Maeve traz à tona o melhor das duas estrelas.
Outro nome que merece destaque é o de Aimee Lou Wood. Navegando pelos sentimentos recém-descobertos por uma paixão inesperada enquanto ainda se recupera de seu trauma, Aimee é uma joia inabalável. Wood deixa escapar sem esforço os pensamentos não filtrados da personagem e se conecta alegremente com a tendência dela de criar alegria em tempos sombrios, à medida em que encontra uma maneira de processar sua agressão por meio da Arte. Enquanto a cena catártica de união no ônibus na segunda temporada a levantou do chão, colocar fogo em suas calças era o que Aimee precisava para seguir em frente sem olhar para trás.
Uma das histórias mais silenciosas e mais poderosas da temporada segue a experiência de Cal com a disforia de gênero, em uma atuação admirável de Dua Saleh. O sentimento de isolamento e, em última análise, de aversão a si mesmo é devastador, e Saleh impregna seu personagem com a sensação de querer desaparecer a todo momento. Ao acompanhar seu tratamento com testosterona, a série mostra o impacto direto que o tempo de espera que adolescentes trans e não binários enfrentam para receber atendimento de afirmação de gênero pode ter na saúde mental, e essa representatividade no audiovisual é fundamental.
Não é exagero dizer que a presença de personagens deficientes e a forma como eles são tratados é um dos grandes acertos. Sex Education não apenas escalou atores com algum tipo de deficiência, mas desenvolveu seus personagens como individuais e multidimensionais, sem entrar em tropos problemáticos e colocando-os em contextos românticos e sexuais na tela – o que não costuma acontecer. A experiência de Isaac (George Robinson) com a sexualidade na terceira temporada foi muito bem representada e, na quarta, amplia essa representação com sua nova paixão e os vários relacionamentos de Aisha (Alexandra James).
No entanto, a série peca ao ausentar personagens que tiveram importância significativa na narrativa. Ao mesmo tempo que separar os personagens em pequenas jornadas individuais seja algo positivo, essa escolha faz com que algumas histórias se percam no meio do caminho. Jakob e Ola, por exemplo, não deveriam ter desaparecido totalmente depois de terem brincado de ‘casinha’ com Jean e Otis, além de que ignorar os alunos da Moordale Secondary, cujas vivências sustentaram temporadas, não parece justo.
Em vez de forçar qualquer resolução para seus personagens, como muitos programas de TV optam por fazer em suas temporadas finais, o pontapé inicial dos oito últimos episódios escava um fechamento emocional. Basicamente, nenhuma história em Sex Education ganhou um ponto final bem definido e permanente. Porém, para uma série que prega os benefícios da terapia da conversa em todos os aspectos da vida de um indivíduo, poderia ter sido de outra forma?
Uma resposta moderna aos vídeos institucionais desatualizados forçados em muitas salas de aula, Sex Education teceu explicações por meio de suas narrativas encontrando humanidade em cenas de sexo e se aprofundando em áreas sub-representadas de todos os ângulos possíveis de um adolescente. A série abordou ISTs e saúde sexual, gravidez na adolescência e aborto, masturbação e slut-shaming, além de tratar conversas sobre agressão sexual, vícios e saúde mental com muita sensibilidade. Muito mais do que uma série sobre sexo, Sex Education é sobre amizade, companheirismo e um empurrão para nos conhecermos como nós somos – tudo isso enquanto é constantemente hilária.