Gabriel Fioravante
Em 2008, com o lançamento de “Cloverfield – O Monstro”, o produtor J.J. Abrams lançou no mercado cinematográfico dois nomes que posteriormente seriam disputados pelas grandes produtoras. Matt Reeves e Drew Goddard, diretor e roteirista respectivamente do filme de 2008 (ambos são produtores executivos deste novo filme), assumiram grandes franquias no cinema, como “Planeta dos Macacos” por Reeves e o indicado ao Oscar, “Perdido em Marte”, por Goddard. Alguns anos depois, com o sucesso dos realizadores e do filme, elogiado principalmente pela sua temática e seu estilo found-footage, depois de muito se tentar uma continuação, eis que surge “Rua Cloverfield, 10”, um parente próximo, com algumas referências bem leves a “Cloverfield- O Monstro”. Porém, que estruturalmente e essencialmente se difere muito com o seu antecessor, já que o propósito aqui é outro, mesmo ainda tendo uma temática específica que ambienta ambos.
A história começa com a jovem Michelle (Mary Elizabeth Winstead – a Ramona de “Scott Pilgrim Contra o Mundo”) que sofre um acidente e é resgatada por Howard (John Goodman). Ela acorda em uma espécie de esconderijo subterrâneo de Howard, com a alegação de que houve um possível ataque químico ou nuclear, espalhando radioatividade por todo território e matando a todos. Emmet, mais um confinado junto com os dois, e Michelle, não acreditando na conspiração de Howard procuram uma forma de escapar daquele lugar, já que ele não permite que ninguém saia. O que a sinopse nos mostra é um drama de confinamento – essa característica permeia durante quase toda a projeção, destoando apenas no clímax. Por mais que a trama deste filme seja completamente diferente daquela apresentada em 2008, são inevitáveis certas comparações. Existe um paralelismo em relação à tensão que os dois filmes exercem: enquanto o primeiro utiliza a cidade, com diferentes cenários, “Rua Cloverfield, 10” é focado e explorado em basicamente apenas um ambiente, de onde é trabalhado todo o suspense psicológico e interações entre os personagens.
O diretor Dan Trachtenberg, iniciante no ramo de cinema depois de ficar alguns anos dirigindo comerciais e canais de internet, apesar de alguns deslizes na condução do arco dramático dos personagens, demonstra saber lidar com uma tensão durante toda a projeção. Sua câmera por muitas vezes é de um estilo mais estático, porém em momentos cruciais da trama, ele opta por um estilo mais “câmera na mão”, principalmente onde há uma necessidade por motivos narrativos de ser mostrado o cenário em detalhes mais mórbidos. A direção de fotografia se mostra um tanto quanto engenhosa ao focar em alguns objetos que no decorrer da narrativa se tornam fundamentais para a resolução da mesma. Enquanto isso, o som em cenas onde há um constante aumento da tensão é trabalhado de forma precisa, especificamente na qual é definido o futuro do personagem Emmet. Com características de uma trilha sonora de um filme de ação, o sincronismo entre imagem e som é afetado e constantemente se torna algo exagerado e fora do tom apresentado pela trama.
O ponto mais positivo do filme é a sua concepção como uma história fechada as pequenas ligações entre elementos que a tornam coerente. O roteiro, feito por Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, é bem completo e direto em desenvolver o suspense psicológico. A maior falha, no entanto, é o desenvolvimento dos personagens. Dificilmente o espectador sente empatia pelos personagens principais, pois quando a trama abraça o lado filosófico e emocional para representar as emoções e motivações dos personagens, não há um progresso. Por mais que as atuações de Mary Elizabeth Winstead, John Goodman e John Gallagher Jr., Michelle, Howard e Emmet respectivamente, sejam boas, a limitação de seus desenvolvimentos principalmente no âmbito emocional prejudica uma aproximação entre espectador e personagem. Entretanto, Goodman com uma atuação digna de indicação ao Oscar é um dos pontos centrais da trama, e expõe um personagem misterioso e que rouba a cena facilmente. Trachtenberg percebeu o bom nível de atuação e explora as nuances do personagem durante quase toda a trama. A carga de antagonismo repetida entre a paranóia do ser humano, representada por Howard e o mistério do desconhecido presente fora do esconderijo é uma tentativa acertada, mas que na prática não funciona da maneira mais correta, pois Howard rouba todo o antagonismo para si e é muito mais assustador do que o apresentado no clímax.
Com um final que poderia ser mais contido e menos rápido, “Rua Cloverfield, 10” não tem medo de arriscar em seus últimos minutos e abraça de vez a temática alien deixada por “Cloverfield – O Monstro”. É perceptível uma mudança de tom ao fim da projeção, com a história abandonando completamente o suspense psicológico. Apesar disso, a coesão que é apresentada a história e os momentos de tensão muito bem conduzidos são ganhos não só para o filme, mas também para o gênero de ficção científica. É um universo interessante e, por mais que J.J. Abrams e seus pupilos tentem mudar o caráter do filme, ainda assim ele é rodeado pela temática extraterrestre, grande foco desse universo, se assim podemos caracterizá-lo.