Gabriel Leite Ferreira e Leonardo Santana
No fim de outubro, foi inaugurada uma estátua em homenagem ao saudoso Belchior em sua cidade natal, Sobral (CE). A obra de Murilo Sá demorou seis meses para ficar pronta e está exposta em definitivo em uma das praças da cidade.
Em um de seus maiores clássicos, “Como Nossos Pais”, Belchior canta que “o novo sempre vem”. E em outubro ele veio mesmo! Dentre os nossos nove escolhidos do mês, quatro são estreias arrasadoras, injetando gás na reta final do ano musical com competência e originalidade. Confira!
Caroline Polachek – Pang
art pop
Em entrevista à V Magazine, Caroline Polacheck respondeu à dúvida geral: “Panging é um termo que descreve fome, desejo, inveja, nostalgia…”. No dicionário, porém, o título do disco de estreia da ex-Chairlift refere-se a algo afiado, mutilador. Ambas as definições cabem aqui.
Sempre rondando temas de afetividade e insegurança, Polacheck revela-se uma artista tão crua quanto lúdica. Isso porque sua verdade não vem entregue de bandeja, mas sim sob camadas de brincadeiras semânticas. Mas dilacera quando bate. “Ocean of Tears”, um dos destaques do LP, narra o estado intermediário entre a desilusão absoluta e a possibilidade de um recomeço.
O álbum tem sido descrito por entusiastas como uma mistura de Charli XCX com Kate Bush. E a comparação faz sentido: uma versão mais taciturna da PC Music conduz a produção, que vem floreada pela voz assombrosa da intérprete, característica que ela compartilha com a cantora de “Wuthering Heights”. Caroline tem estudado, nos últimos anos, canto barroco e suas vertentes e a influência no produto final é clara e cristalina. Pang é um trabalho emocionalmente cortante, cheio de sentimento. (LT)
Danny Brown – uknowhatimsayin¿
rap
Em seu primeiro álbum desde 2016, Danny Brown soa sensivelmente mais leve que em Atrocity Exhibition. No lugar das rimas sobre uso de drogas e desesperança, piadas dignas de um stand-up comedy; no lugar dos beats abstratos que por vezes remetiam à música eletrônica, a produção retrô do veterano Q-Tip (A Tribe Called Quest).
Com um setlist enxuto, uknowhatimsayin¿ não é experimental como seu antecessor, mas Danny Brown é um rapper talentoso o suficiente para entregar um produto competente. Destaque para a opção por um timbre vocal mais grave de voz, o que trouxe certa sobriedade ao LP, e para as ensolaradas “Dirty Laundry” e “Best Life”. Dá pra ser retrô sem ser saudosista, afinal. (GF)
Drik Barbosa – Drik Barbosa
rap
“Eu agradeço por tá aqui / Valeu Gizza, Dina Di, Sharylaine, Rubia MC /
Kmilla CDD, Stefani, Cris MC / Atitude feminina, salve Negra Li”, canta Drik Barbosa em “Sonhando”, faixa final de seu disco de estreia. Sempre afiada, a ex-Rimas e Melodias segue pressionando a tecla da ocupação negra e feminina dos mais diversos espaços. Nesse sentido, o trabalho soa bastante como uma versão estendida do EP Espelho, lançado em março de 2018.
A influência dessas mulheres na arte da rapper paulistana é palpável e bem-vinda, mas as referências do auto-intitulado vão mais longe. O samba de “Tentação” é exemplo disso. Mais madura, Drik produz um trabalho coeso e sonoramente elegante, que incomoda quem tem que incomodar e viaja por terrenos incomuns, ainda que confortáveis, da música da diáspora africana. (LT)
Gre – ABSTRAÇÃO
dark ambient, spoken word
Difícil descrever a estreia em disco de Greize Dainese, tanto pela falta de informações sobre a artista de Ribeirão Preto (SP) quanto pelo próprio caráter do som de ABSTRAÇÃO. Uma síntese bem superficial: Gre declama poemas sombrios e opressivos acompanhada por instrumentais também sombrios e opressivos. É como um filme de terror musicado. Pra ouvir no escuro. (GF)
Kim Gordon – No Home Record
industrial, noise rock
Depois do fim amargo do Sonic Youth em 2011, Kim Gordon montou outra banda, escreveu um excelente livro de memórias e se dedicou às artes plásticas, área em que ela aparentemente se sente mais confortável que na música (afinal, a própria já disse diversas vezes que não se vê como uma musicista). Agora, no alto de seus 66 anos, ela lança sua estreia como artista solo, o originalíssimo No Home Record.
Produzido por Justin Raisen (Sky Ferreira, Angel Olsen), No Home Record passeia por diversas nuances sem nunca perder a coesão. Há o noise rock levemente youtheano (“Air BnB”), há art pop (“Sketch Artist”), há até mesmo música eletrônica (“Don’t Play It”) e batidas trap (“Paprika Pony”), tudo isso ligado por um verniz da música industrial. Nada inesperado considerando a vasta bagagem musical de Gordon e seu gosto pela novidade. Ela continua representando a epítome do cool, título que ostenta desde os tempos do Sonic Youth. Mais destaques com a potente “Murdered Out” e a claustrofóbica “Cookie Butter”. Mais um grande disco de 2019. (GF)
maquinas – O Cão de Toda Noite
pós-rock
Cunhado em 1994 pelo jornalista Simon Reynolds, o termo “pós-rock” abarca toda e qualquer banda que utilize guitarras de uma maneira divergente do rock tradicional, isto é, como produtoras de texturas e timbres em vez dos mandatórios riffs. De lá pra cá, muito se teorizou a respeito do subgênero e, claro, já se vaticinou sua morte diversas vezes.
Os cearenses do maquinas não estão no patamar de um Godspeed You! Black Emperor ou Swans, dois dos maiores expoentes do pós-rock, mas em O Cão de Toda Noite mostram que ainda é possível produzir música interessante que se encaixe neste rótulo. Este é o segundo álbum do quinteto, uma odisseia de 50 minutos que soa paradoxalmente aconchegante e aterradora. Os vocais ocasionais vem baixo na mixagem, dando um toque shoegaze às texturas sônicas. Para dar play e esquecer do mundo. (GF)
Pratagy – Pratagy
pop, mpb
O terceiro registro de estúdio do compositor paraense passeia, intimamente, por influências pop do final do século passado. A proposta resulta em um trabalho aconchegante e melancólico, que bebe de fontes como Pet Shop Boys, The Knive e Prince, mas que carrega certa brasilidade, já típica de Pratagy. “Eu Posso Mudar”, por exemplo, poderia facilmente fazer parte do disco de estreia de Sandra de Sá, Vale Tudo. Letras reflexivas e pouco imediatas completam o combo. A tracklist cativa da abertura (o synthpop atmosférico “Dias de Verão”) ao infinito. (LT)
Urias – Urias EP
ballroom, art pop
Sem pedir licença, Urias entra na cena. Ainda que seus covers tenham bombado bastante ano passado, só agora a mineira deu o primeiro passo em direção ao tipo de trabalho autoral e original que ela parece ter nascido para produzir. E, julgando pelas 4 faixas (e interlude) do registro, fica claro que Urias vem armada até os dentes. A tracklist, com apenas 10 minutos de duração, não perdoa: é batidão atrás de batidão. O single “Diaba” lembra o Kanye West de The Life of Pablo, ao passo “Rasga” é a banger do ano. Pesadíssimo. (LT)