Pedro Gabriel
A Pixar sempre teve êxito explorando os dilemas da vida por perspectivas diferentes. O estúdio esmiuçou, nos filmes de Toy Story, os aspectos da amizade e mudanças na vida aos olhos de um brinquedo, nos emocionou com a relação entre pai e filho em Procurando Nemo (2003), e com a história de uma vida maravilhosa de UP: Altas Aventuras (2009). E, com Divertida Mente (2015), não é diferente. Em junho, a animação comemora cinco anos.
O que começou como um projeto problemático, beirando o plágio do tão amado Rio (2011), os diretores Pete Docter e Ronnie del Carmen, além do produtor Jonas Rivera, se juntaram para produzir o filme Newt, sobre duas salamandras que se odeiam e precisam uma da outra para salvar a espécie. Mas no meio do caminho, tiveram a brilhante ideia de criar Divertida Mente, após Pete perceber que sua filha, uma criança relativamente extrovertida, começou a ter uma grande timidez com o passar dos anos. Isso o levou a pensar sobre a mente da pequena. Para melhor representação, eles procuraram saber mais sobre o assunto, consultando psicólogos e pesquisando sobre estudos das emoções.
A partir da frase “Já olhou para alguém e pensou, o que se passa na cabeça dela?“, os roteiristas Pete Docter, Meg LeFauve e Josh Cooley constroem uma história fascinante, ao explorar a vida da pequena Riley de 11 anos, que vê seu mundo virando de ponta cabeça ao ter que se mudar de Minnesota para São Francisco. Mas o diferencial está na perspectiva em que a história é contada, através da personificação das emoções da garota. Na pele das principais emoções, Alegria (Miá Mello na dublagem brasileira), Tristeza (Katiuscia Canoro), Medo (Otaviano Costa), Nojinho (Dani Calabresa) e Raiva (Léo Jaime), a trama mostra como têm sido a vida da Riley, e constroem um sistema onde tais emoções comandam as ações da garota, criando memórias através dos sentimentos que comanda no momento, e assim, construindo seu caráter.
A história começa quando a família se muda. Com a quebra da vida perfeita que Riley levava, as emoções em sua cabeça sofrem um colapso. Com isso, um acidente acontece e as memórias base (fatos marcantes que definem quem uma pessoa é, moldando sua personalidade) são sugadas para o longo prazo (lugar onde as demais memórias ficam armazenadas), junto com a Alegria e a Tristeza. Desde os momentos iniciais do filme, sabemos que as personagens não possuem um bom relacionamento. Elas terão que abrir mão de suas diferenças, e embarcarem em uma aventura para um bem maior, voltar a central de controle, e restaurar a personalidade da Riley, que se encontra em uma crise existencial após seu “apagão”, restando apenas o Medo, Raiva e Nojinho para controlá-la.
Com uma mistura de tecnologia, roteiro e criatividade, a Pixar trata de conceitos da psicologia de forma simples, com cores para representar cada emoção, bolas de vidro coloridas para as memórias, ilhas de personalidade, estúdios para a gravação dos sonhos, uma prisão dos maiores medos sendo o subconsciente, um grande fosso para as memórias esquecidas, que se desfazem na escuridão. Tudo isso com um selo de qualidade do estúdio, com afinco aos mínimos detalhes, como texturas da pele e roupas dos personagens.
A narrativa consegue equilibrar as duas histórias que se completam em uma. Enquanto seguimos os dramas da Riley na nova vida, com problemas na casa, na escola e com os pais, vemos como suas atitudes afetam na volta das emoções para a central de controle. Isso se expande em alguns momentos, pois são apresentados a mente de outras pessoas. Exemplo disso é uma cena com uma dinâmica no jantar em família, onde as emoções dos pais são mostradas. Nela, podemos ver a diferença de maturidade e conhecimento dos sentimentos deles, que mantém um controle maior na hora de tomar decisões, e com uma organização melhor na central de controle.
A história, como já de costume do estúdio, é feita para todas as idades, trazendo uma carga dramática diferente para cada fase da vida. Consegue prender as crianças na fofura e aventura ali proporcionada, e emociona os adultos com a profundidade e sensibilidade do roteiro. Além da história já explicitada, com a insegurança diante das mudanças, e crise existencial, o filme abre portas para a discussão sobre a importância da tristeza na vida (visto como uma alusão a depressão), o amadurecimento e as mudanças que ele traz nas nossas atitudes, a perda de um amigo e a importância do esquecimento em certas ocasiões.
O filme possui uma carga dramática excepcional, com diversos momentos que levam o espectador às lágrimas. Um bom exemplo disso é o carismático amigo imaginário de infância, Bing Bong, fazendo com que o espectador torça para que ele reveja a Riley. Até nos esquecemos que ele é apenas uma criação da mente da menina, onde protagoniza uma das melhores e mais emocionantes cenas do filme, ao lado da Alegria. Em paralelo, a história que ocorre com a própria Riley possui seus conflitos decorrentes de sua crise existencial, que a leva a fazer coisas antes inimagináveis, e se fecha em um desabafo de tirar o fôlego.
Divertida Mente (Inside Out, no original) foi apresentado no festival de Cannes e mais tarde acabou ganhando o Oscar de Melhor Animação. O longa reabriu os olhos do estúdio, que até o momento estava produzindo apenas histórias empacadas e sequências de seus sucessos, sem uma produção original de fôlego. Mesmo que o filme que o sucedeu não seja o melhor: o esquecível O Bom Dinossauro (2015), Divertida Mente trouxe um foco em futuros projetos originais, como os emocionantes Viva! A Vida é Uma Festa (2017) e Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (2020). A história dos sentimentos da Riley acabou sendo mais um grande acerto para o gigante estúdio da Pixar, que diverte e emociona do início ao fim, mesmo cinco anos depois.