Eilis (Saoirse Ronan) e Tony (Emory Cohen) (imagem: Fox)
Matheus Fernandes
Em 1952, a Irlanda passava por um período de estagnação econômica, que causou a maior emigração da história do país, mais de 50 mil pessoas por ano. Eilis Lacey (Saoirse Ronan) vive em uma pequena cidade no sul do país, Enniscorthy, onde tem um emprego sem perspectivas em uma mercearia e mora com sua mãe e irmã.
Com a ajuda de um padre, Eilis acerta sua ida aos Estados Unidos, em busca de um futuro melhor, tendo como destino o distrito nova iorquino do Brooklyn, muito antes de ser a capital mundial da gentrificação hipster. Ainda que inicialmente abalada pela distância familiar e pela perspectiva de não pertencimento ao país, Eilis se estabelece com a ajuda de seu novo namorado, Tony Fiorello (Emory Cohen), também vindo de uma família imigrante.
Quando tudo parece se normalizar, com grandes planos para o futuro, Eilis recebe a notícia da morte de sua irmã, forçando seu regresso à Irlanda. Como garantia da temporaneidade da viagem, Eilis se casa secretamente com Fiorello antes de partir.
Ao retornar à sua cidade natal, enxerga uma realidade diferente de quando deixou a Irlanda. O casamento de sua melhor amiga força o adiamento de seu retorno à América. Nesse meio tempo, Eilis conquista uma vaga na contabilidade, área que estuda, que pertencia a sua irmã. Até mesmo as coisas que mais incomodavam no país, como os jovens jogadores de Rugby, parecem alteradas, e Eilis se envolve com um deles, Jim Farrell (Domhnall Gleeson), um rapaz charmoso prestes a herdar uma casa.
O par Eilis e Jim (Domhnall Gleeson) (imagem: Fox)
Mais do que a difícil escolha entre dois amores, o que está em jogo é a escolha entre dois países, dois projetos de vida antagônicos. Uma vida como uma garota irlandesa na América ou na Irlanda. Uma cidade pequena e conhecida, perto da família, ou a capital do mundo. E essa decisão se torna mais difícil e dolorosa a cada carta enviada por Tony que Eilis ignora.
O filme é carregado pela excelente atuação de Saoirse Ronan (Grande Hotel Budapeste), indicada ao Oscar de melhor atriz, que consegue adicionar profundidade e emoção através de seu olhar e trejeitos. A química com seus dois pares, Emory Cohen, de “Place Beyond the Pines”, e Domhnall Gleeson, em um ano estelar, onde participou de “Ex-Machina”, “O Regresso” e “Star Wars – O Despertar da Força”, também torna realistas os relacionamentos. Tanto Ronan quanto Gleeson são irlandeses, em um raro exemplo de personagens representados por atores do mesmo país.
John Crowley faz uma direção sensível, e o roteiro assinado por Nick Hornby, responsável por romances como “Educação” e “Alta Fidelidade”, é outro ponto alto, ao fazer a transição do livro de Colm Toíbín ao cinema, sendo indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado pelo trabalho. Outro aspecto técnico importante é o figurino. As roupas e cabelo de Eilis servem como termômetro das transformações em seu humor ao longo do filme, em detalhes muitas vezes desapercebidos pelos menos atentos.
“Brooklyn” é um filme tradicionalista, quase conservador. Apresenta o mundo em uma luz que beira a nostalgia, com suas cores pastel e sua postura inocente, e evita tocar em assuntos mais subversivos, diferentemente de “Carol”, outro romance que se passa no mesmo ano. Eilis em nenhum momento chega a questionar o destino que lhe é imposto ou a necessidade de se casar.
Ainda assim, consegue escapar das armadilhas do gênero por meio do roteiro e da atuação de Saoirse Ronan, adicionando um aspecto de universalidade sentimental em seus relacionamentos e indecisões, e em suas dificuldades diárias como imigrante, evitando o que em outras mãos seria mais um romance vazio.