
Marcela Jardim
Lançado em 2005, Robôs completa 20 anos ainda como um marco na animação digital, embora nem sempre seja lembrado dessa forma. O filme, dirigido por Chris Wedge e produzido pela Blue Sky Studios, se destaca por sua estética vibrante e um mundo inteiramente mecanizado, explorando temas como inovação, meritocracia e desigualdade social. A trama acompanha Rodney Lataria (Ewan McGregor), um jovem robô inventor que sai de sua cidade natal em busca de oportunidades, a fim de dar um futuro melhor para sua mãe amorosa e o pai adoecido. Porém, ele encontra uma realidade dominada pelo lucro e pela obsolescência programada. A crítica ao capitalismo desenfreado e à exclusão dos menos favorecidos é evidente, mas a narrativa, voltada ao público infantil, simplifica questões complexas.
O humor cartunesco é marcante, embora, às vezes, ofusque a profundidade da mensagem. Entretanto, por ser uma animação direcionada ao público infantil, é normal tratar assuntos sérios de forma mais descontraída. Além disso, a dublagem conta com nomes famosos, como Robin Williams, cuja performance como Manivela adiciona energia ao filme. Apesar do impacto visual e dos ensinamentos relevantes, Robôs não atingiu a mesma aclamação de animações contemporâneas como Os Incríveis (2004) ou Procurando Nemo (2003).

Ao comandarem A Era do Gelo (2002), Chris Wedge e o brasileiro Carlos Saldanha precisaram conter os exageros visuais. Afinal, o Pleistoceno, período do Quaternário, não era exatamente conhecido por sua explosão de cores e formas, se é que dá para entender. Assim, para extravasar essa criatividade contida, o projeto seguinte, Robôs, foi ambientado em um futuro vibrante e repleto de detalhes. E acredite, a dupla preenche cada quadro com o máximo possível de elementos visuais, abusando das cores, dos formatos e das informações. O personagem dublado por Williams resume bem o longa: um robô periférico com um humor cativante, que vai tanto à luta por condições de vida melhores, quanto à icônica performance de …Baby One More Time, canção de Britney Spears, hit na década de 1990.
A impressionante estética do filme e a energia das cenas de ação compensam os clichês da trama. Rodney Lataria cresceu em uma pequena cidade, filho de um lavador de pratos e sempre teve que se contentar com peças usadas para suas “atualizações”. Seu maior sonho era viajar para Robópolis, a grande cidade onde seu ídolo, o inventor Grande Soldador (Mel Brooks), que inspirou gerações ao afirmar que “todo robô pode brilhar, independente do material de que é feito”.
Porém, ao chegar à metrópole, Rodney descobre que a realidade é bem diferente. Grande Soldador foi afastado e Dom Aço (Greg Kinnear) assumiu o comando da empresa, instaurando uma nova política: peças de reposição não serão mais produzidas, apenas modelos de alto padrão. Quando percebe que milhares de robôs, incluindo seu pai, correm o risco de serem descartados, Rodney decide enfrentar Dom Aço e lutar pelos ideais do antigo líder. Essa luta é um simbolismo claro e mastigado para o público infantil compreender a diferença entre as classes sociais, além de mostrar que, mesmo que não venha de uma família afortunada, é possível ascender socialmente e fazer a diferença.

O filme se constrói como uma crítica ao consumismo, ao mesmo tempo em que recicla a clássica narrativa do confronto entre o Bem e o Mal, do idealismo do interior contra a impiedade da metrópole e da maioria desfavorecida lutando contra uma elite corporativa. Sabendo que essa estrutura familiar ainda rende boas histórias, os roteiristas David Lindsay-Abaire, Lowell Ganz, Babaloo Mandel e Ron Mita não hesitam em recheá-la com arquétipos: o protagonista determinado e seu interesse romântico, o amigo desajeitado que serve como contraponto cômico e, claro, o ‘falastrão’ que garante o humor – cuja interpretação marcante de Robin Williams pode perder parte do brilho na dublagem brasileira.
O uso desse modelo acessível, de fácil assimilação, se justifica pelo fato de Robôs ser uma animação genuinamente voltada para crianças. Os pequenos espectadores são cativados pelo espetáculo visual acelerado e, de quebra, absorvem mensagens valiosas sobre solidariedade e resistência. Além disso, Madame Junta (com a excelente dublagem de Jim Broadbent), a temível mãe de Dom Aço, se consolidou como uma vilã memorável, no melhor estilo das bruxas malvadas dos contos infantis.

A obra aborda e critica, principalmente, a desigualdade social ao retratar um mundo onde o acesso a recursos básicos, como peças de reposição, define quem pode continuar existindo e quem será descartado. A cidade de Robópolis simboliza a disparidade entre classes, com os robôs mais ricos podendo se atualizar com modelos luxuosos, enquanto os menos favorecidos são forçados a sobreviver com peças antigas ou usadas. A política imposta por Dom Aço, que interrompe a fabricação de reposições para forçar a compra de novos produtos, reflete a lógica de um sistema capitalista excludente, onde o lucro se sobrepõe ao bem-estar da maioria. O protagonista, Rodney Lataria, representa a luta contra essa estrutura injusta, desafiando o monopólio corporativo para garantir que todos tenham o direito de se manter funcionando.
Mesmo após duas décadas, Robôs continua sendo lembrado com carinho pelo público. Seu humor inteligente, referências visuais inovadoras e uma trilha sonora marcante garantiram um lugar especial no coração dos fãs de animação. Além disso, a crítica social presente na história – sobre desigualdade, inovação e o impacto da tecnologia – se mantém atual, tornando o longa ainda mais relevante. Em tempos de avanços tecnológicos cada vez mais rápidos, a mensagem do longa permanece poderosa: a inovação deve estar a serviço de todos e nunca devemos desistir de nossos sonhos.
https://www.youtube.com/watch?v=-mX7Fx5v2hA