Henrique Marinhos
Após 24 anos longe de Bauru, o Circo Stankowich fez seu tão esperado retorno, trazendo ao público um espetáculo, no mínimo, deslumbrante. Fundado em 1856, o Stankowich é o circo mais antigo em atividade no Brasil com Arte, risco, beleza e emoção. Mais do que um simples entretenimento, a apresentação em Bauru celebrou a história da companhia, que atravessou mudanças sociais, políticas e culturais ao longo de quase dois séculos de existência.
A noite começou com uma série de espetáculos dançantes, remetendo aos glamourosos carnavais europeus e ao charme das festas em navios e iates. As dançarinas, trajadas com penas e lantejoulas, iluminaram o picadeiro com coreografias sincronizadas e contagiantes. Intercaladas com ‘palhaçadas’ bem canastronas, os espetáculos trouxeram fontes de água dançantes em uníssono com a Música, que tomaram conta do cenário.
O flerte do circo com o perigo é uma tradição antiga, mantida viva porque não falha em fascinar. Ao limite da tensão, depois de tanta leveza e deslumbre, os atos que nos presenteiam com frio na barriga começaram com a performance aérea de uma acrobata que, suspensa pelos cabelos, girava incessantemente enquanto manejava fitas coloridas com uma graça quase sobrenatural, como se tivessem a banhado no pó de ‘pirlimpimpim’.
A experiência presencial, aliás, é incomparável – nenhuma tela consegue capturar o momento genuinamente. Prova disso foi o número de tecido acrobático, uma exibição de coragem e destreza que fez o público prender a respiração. Sem rede de proteção, a acrobata se contorceu e girou no ar, até culminar em uma queda que parou a meros centímetros do chão.
Além das acrobacias nos panos, os trapezistas protagonizaram um dos momentos mais emocionantes da noite. Anunciada pelo próprio circo como uma das manobras mais difíceis de serem realizadas, os três giros no trapézio não nos fizeram questionar por um segundo se a afirmação era realmente um fato. Na segunda tentativa, o público prendeu a respiração ao ver a dificuldade de execução. Com aplausos imediatos, dessa vez, não houve um centímetro na margem de erro.
No ato final, o espetáculo atingiu seu clímax: o temido Globo da Morte. Sob o som pulsante de aplausos e murmúrios nervosos, quatro motociclistas entraram na esfera metálica, desafiando a gravidade em manobras impecavelmente sincronizadas – a única forma de acontecerem. Nesse ponto, qualquer conversa que eles tivessem por baixo do capacete nos intervalos de giros eram especuladas com atenção pela plateia.
Mas a mágica do circo não se resume apenas aos números deslumbrantes vistos no picadeiro. Naquele momento de perfeição, pensávamos nos erros, nas quedas e nas frustrações superadas pela trupe ao longo da preparação. A mágica que vimos no picadeiro não nasce do acaso e ver o resultado final é testemunhar o triunfo desse processo.
Para muitos dos espectadores naquela noite, assistir a um espetáculo circense pela primeira vez foi uma experiência transformadora. Essa magia nasce da união entre o risco e a beleza, em que cada artista, do motociclista ao mágico ou do trapezista à bailarina, é parte essencial desse universo itinerante. Assim como o circo continua a desafiar a gravidade e o perigo, ele também desafia o tempo, porque o encanto que nos faz querer fugir com ele, esse nunca passa.