Henrique Marinhos
Black Panther: The Album, trilha sonora de Pantera Negra, é composto por 14 faixas e foi produzido pela Top Dawg Entertainment, mesma gravadora de Kendrick Lamar. A obra se consolidou como um dos aspectos mais elogiados do filme lançado cinco anos atrás, apresentando uma fusão de influências africanas e afro-americanas que resulta em uma sonoridade autêntica e independente da produção audiovisual.
O compositor Ludwig Göransson é quem assina a trilha e recebe seus prêmios, destacando como a música tradicional africana, o pop moderno e elementos orquestrais foram as fontes primárias de inspiração para as composições e para o projeto como um todo. Enriquecido também pela participação de artistas como Kendrick Lamar, SZA, Travis Scott e Anderson Paak.
O hip-hop do trabalho assume um papel proeminente no conjunto de faixas, assim como Lamar, o produtor e protagonista do disco. Ainda assim, felizmente, mantém espaço para a diversidade de gêneros que conversam entre si. Além do rap, há influências de R&B, soul e funk, mesmo que em frações do que poderia ser. All The Stars, destaque e single do álbum que marca a colaboração de Kendrick Lamar e SZA, recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Canção Original e um processo por plágio.
A trilha sonora é habilmente utilizada em diversas cenas do filme, amplificando as emoções e criando uma atmosfera única para passagens específicas – o que estranhamente não se traduz em toda obra audiovisual. All The Stars acompanha uma luta no cassino em Busan, na Coreia do Sul, enquanto Pray for Me preenche o fundo na invasão de Wakanda por Killmonger (Michael B. Jordan). Black Panther: The Album intensifica as emoções no retorno de T’Challa (Chadwick Boseman) ao país após a morte de seu pai, mas, de certa forma, todas parecem desconexas de uma narrativa única.
Apesar disso, é notável que Lamar não apenas produziu a soundtrack, mas também se inspirou nos personagens e nas temáticas do longa. Em várias faixas, ele se personifica como T’Challa e Killmonger, protagonistas e rivais da trama, explorando suas visões de mundo, conflitos e motivações. Ao menos, é o que ele tenta, o que nem todos os artistas convidados aparentam fazer, como no verso de PARAMEDIC!: “Eu sou um assassino / Ninguém é perfeito / Mas todos tem seu valor / Nós não merecemos tudo que o céu e a Terra são”.
Mesmo que haja predominância de vários artistas do continente africano, como da África do Sul e da Nigéria, por exemplo, a mistura de elementos tradicionais africanos com batidas modernas soam sempre mais afro-americanas e ocidentais que as originárias. Em contrapartida a minoria de nomes consagrados do rap e do R&B estadunidense, como 2 Chainz, Schoolboy Q, Vince Staples e The Weeknd.
Esse conjunto de fatores propõe a plena validade da discussão sobre autenticidade quando os Estados Unidos premiam a trilha sonora de um filme estadunidense sobre um herói africano criado por eles mesmos. O que reflete na predominância de seus elementos em detrimento dos africanos, que são fragmentados, seja por não serem tão cativantes ao público alvo ou até estereotipados, em tempo que boa parte das faixas poderia tranquilamente ser confundida com alguma de DAMN.
Essa observação suscita questionamentos sobre a representação autêntica da cultura africana no Cinema, além de pontuar o quão intrigante é o destaque do personagem de Michael B. Jordan como o antagonista Wakandiano – criado nos EUA – em defesa de sua cultura originária. Isso acontece em oposição ao herói da realeza, que segue uma trama não tão complexa e habitual de valores e narrativas culturais americanizada, mesmo sequer tendo conhecido a fundo o país de primeiro mundo pelo qual luta.
Em suma, Black Panther: The Album é uma obra musical impressionante que combina influências africanas e afro-americanas, de forma agradável e se mostrando um álbum completo. No entanto, sua conexão com o filme e a representação da cultura no audiovisual levantam questões interessantes sobre autenticidade e identidade.
Toda a complexidade dos personagens personificados no conjunto musical, especialmente o antagonista interpretado por Jordan, destaca a dualidade entre as duas narrativas ideológicas. Mais uma vez, o disco consolida a reflexão, ainda que não proposital, de que a representação da cultura para além do entretenimento ainda tem um longo caminho a percorrer.