Carlos Botelho, Gabriel Leite Ferreira e Leonardo Santana
Morreu ontem (30) a sambista Beth Carvalho, no Rio de Janeiro, devido a complicações de um problema na coluna. Eterna voz da Estação Primeira de Mangueira, nasceu em 1946 no bairro carioca da Gamboa, berço do samba, e chegou em Marte: sua versão de Coisinha do Pai foi escolhida pela NASA para uma de suas operações no planeta vermelho.
A Madrinha do Samba presenteou a cultura brasileira com outros clássicos, como Andança e Vou Festejar. Beth é, sem dúvida alguma, uma das maiores vozes do samba. É patrimônio brasileiro.
Em luto, o Persona apresenta nossa seleção mensal de melhores lançamentos musicais. Abril foi bastante frutífero, mas perdeu muito no final. Boa leitura!
Anderson .Paak – Ventura
r&b, soul
Anderson .Paak já foi considerado um dos nomes mais criativos do r&b contemporâneo. Suas habilidades como multi-instrumentista e a inventividade de Malibu (2016), seu segundo álbum de estúdio, lhe atraíram fortes holofotes. Infelizmente, o impacto do que veio depois não foi dos maiores, ainda que o bom gosto e a competência tenham sido mantidos de lá pra cá.
Ventura é o segundo trabalho do artista em menos de 6 meses. É perceptível aqui que a comoção massiva do público não era o objetivo principal, resultando em uma reunião confortável e repleto de canções inspiradas na Motown e em Quincy Jones. É um disco que não incomoda. Embora saibamos que .Paak consegue ir mais longe, a qualidade ainda vem em primeiro lugar. Vale o seu play. (LS)
Beyoncé – HOMECOMING: THE LIVE ALBUM
pop, r&b, hip hop
Beyoncé precisa de alguma introdução? Não sei bem. O que posso dizer é que, em 15 de abril de 2018, ela se reapresentou ao mundo em uma performance para ficar para a história. Em seu retorno triunfal para os palcos após uma gravidez de risco, a cantora demonstrou apreço por seu passado, consciência social e tino artístico impecável – características já há anos atreladas a ela – em um nível totalmente novo.
E não deu outra: de tão antológico, o show rendeu um disco impressionante, um ano depois. O repertório vasculha todos os momentos da carreira da cantora de Houston, deixando alguns hits de lado para relembrar tesouros esquecidos. Beyoncé vem tecendo, desde o seu disco de estreia, uma estreita relação com os ritmos das diáspora africana e HOMECOMING é a celebração primorosa desse casamento.
De quebra, a artista estabelece um diálogo honesto e edificante com a juventude negra que tanto a admira. Reinventados, os arranjos feitos com uma banda marcial composta exclusivamente de músicos e musicistas negros, em uma homenagem às tradicionais universidades negras americanas, doam frescor a clássicos da música pop.
Beyoncé foi a primeira mulher negra a encabeçar o line up do Coachella, um dos maiores festivais do mundo. A oportunidade não foi desperdiçada. Com o Beychella, a cantora resgatou o passado para discutir vivências contemporâneas e dar orgulho às pessoas que mais se inspiram nela. Um presente, da maior artista viva, para o mundo. (LS)
Black Alien – Abaixo de Zero: Hello Hell
rap
Esse não é o retorno propriamente dito de Gustavo Black Alien. Babylon By Gus Vol. 2: No Princípio Era o Verbo (2015) carregou a responsabilidade de encerrar o hiato de 11 anos do rapper, pai do clássico imortal Babylon By Gus Vol. 1: O Ano do Macaco (2004), e foi minimamente competente na tarefa. Mas havia algo fora do lugar, como se o próprio Black Alien não estivesse confortável com sua vida sóbria.
Abaixo de Zero: Hello Hell traz o inverso. “Vim pesadão, ninguém vai me derrubar / e problema com pó quem tem é o dono do bar”, dispara determinado no refrão de Área 51, a abertura. O grande trunfo do disco é o dinamismo: as faixas são poucas e curtas, mas a lírica bereta está tão afiada que é o bastante. A produção assinada por Papatinho (Cone Crew) vai na contramão dos graves do trap, concentrada em samples de jazz e demais sonoridades tradicionais – nada inesperado em se tratando de Black Alien.
Sem participações especiais, Abaixo de Zero é BA falando dele mesmo para ele mesmo, e nos convidando a acompanhar o monólogo. Repete para si mesmo “eu sou o agora” no single Que Nem o Meu Cachorro para superar de uma vez por todas os fantasmas do passado, sejam eles desafetos, sejam eles drogas. A questão é que agora são palpáveis o foco e a clareza da mente de Gustavo. Não há hesitação, só a verborragia veloz de seus primeiros clássicos e o frescor dos beats de Papatinho.
Impossível dizer se Abaixo de Zero: Hello Hell supera Babylon By Gus Vol. 1. Nem é essa a intenção (e obrigação) de Gustavo. Mas que seu novo disco é um novo pico numa discografia lamentavelmente curta, isso é inegável. Até o momento, o disco do ano. (GF)
Helado Negro – This Is How You Smile
alt-folk
Roberto Carlos, não confundir com o Rei, é um músico norte-americano que vem moldando de forma inventiva sua identidade artística. Em seu sexto registro de estúdio, ele entrega seu trabalho mais completo até o momento.
O caráter atmosférico de seus instrumentais, atrelado a melodias mais acessíveis e letras confessionais, tece paisagens sonoras que se desenvolvem de forma orgânica nos ouvidos. O disco reflete sobre questões sociais e políticas, sobre ser cidadão em um lugar e ter raízes em outro, elucidando de forma leve os debates mais contemporâneos. (CB)
Lizzo – Cuz I Love You
pop, r&B, rap
Quem a conhece, sabe: Lizzo é puro talento. Para os que não estão familiarizados, eis aqui a oportunidade perfeita. Ainda que a cantora e rapper de Detroit já não seja uma estranha à indústria musical, Cuz I Love You é sua estreia perante o grande público. Fica clara, no desenrolar do LP, a intenção de um grande impacto. E o esforço deu mais do que certo!
Percebemos de cara quem inspira Lizzo: Missy Eliott e seu orgulho negro, que nunca deixa de ser irreverente, é uma das ligas dessa mistura. É uma surpresa bem-vinda, no entanto, perceber que a intérprete não se deixa apagar pela mentora na faixa em que dividem o microfone. Aliás, Tempo já é um dos singles do ano. Mas as referências do registro vão longe, do gospel ao heavy metal, em uma junção de estilos que nunca nos deixa esquecer quem manda aqui.
Lizzo vem aos poucos galgando seu caminho na indústria da música e parece que seu momento de brilhar finalmente chegou. Diferente do ritmo de carreira até aqui, seu terceiro álbum de estúdio já começa com dois pés no peito. É uma bomba de energia muito bem vinda, já que logo percebemos o propósito do trabalho: fazer bem aos seus ouvintes.
Dos momentos mais confessionais, como a rasgada Jerome, ao batidão dos mais pesados (a já citada parceria com Missy Eliott), Lizzo se compromete à destilar amor próprio e auto-cuidado da forma mais divertida e menos institucional possível. E garante que, de cara, nos apaixonemos por ela. Não tem como escapar. (LS)
Tayla Parx – We Need To Talk
pop
Autora dos dois maiores hits de Ariana Grande, Tayla Parx é a cara do mercado atual. Isso porque se dá muito bem no casamento da música pop com o hip hop, tão em voga atualmente. Sua estreia no mercado é prova dessa desenvoltura. We Need to Talk reúne um conjunto diverso de composições grudentas e universais. Longe de propor um caminho novo para o seu gênero musical, Parx faz uso maestral das referências que tem em mãos. Um dos destaques da tracklist, a edificante Tomboys Have Feelings Too relembra o Yeezus de Kanye West. (LS)
Weyes Blood – Titanic Rising
baroque pop
O quarto álbum de Natalie Mering traz a consolidação de sua sonoridade nostálgica-futurista enquanto deposita em suas letras os anseios de viver no fim dos tempos. A temática peculiar cria um registro de grande refinamento estético e que, ao longo das dez faixas, cria uma fenda temporal entre passado e futuro que abriga a vida cotidiana no apocalipse.
Todo esse ambiente de incerteza lírica e sofisticação sonora enfatiza a preocupação da artista em criar uma narrativa elegante onde pianos, cordas, sintetizadores e belos vocais – que remontam outras décadas – elevam o conceito de fazer músicas sobre o amor à um patamar inesperado e inovador. (CB)