Ungodly Hour: a emancipação das irmãs Bailey

Capa do segundo álbum de estúdio da dupla formada por Chloe e Halle Bailey (Foto: Reprodução)

Caio Savedra

Surgindo a partir de uma carreira nativa da internet, o álbum Ungodly Hour, da dupla Chloe X Halle, entrega diversos pontos positivos de se admirar, mas, acima de tudo, serve como uma emancipação artística das irmãs para além do papel de protegidas e apadrinhadas por Beyoncé. Crescidas no meio artístico, é notável a desenvoltura que as artistas têm, basta assistir qualquer uma das várias apresentações recentes. Com uma carreira que conta com aparições em filmes e apresentações musicais desde crianças, foi através de covers no YouTube que começaram a se destacar na música.

Assim como diversos outros artistas que surgiram por volta dos anos de 2010, a internet foi essencial para que as irmãs fossem descobertas no mundo da música. Passível de uma pesquisa acadêmica sobre, as artistas sempre exploraram recursos dos mais contemporâneos, como vídeos com realidade virtual em 180º e, mais recentemente, tendências do aplicativo TikTok, que vêm moldando o mercado musical bruscamente.

Após entregarem alguns trabalhos prévios (EP, mixtape e álbum de estreia) que renderam um pouco de visibilidade e até nomeações em premiações, é com o Ungodly Hour que Chloe e Halle buscam se consolidar como artistas além do apadrinhamento de Bey. No trabalho, elas mostram como conseguem ser versáteis e apresentar uma sonoridade mais comercial sem deixar de lado suas personalidades. Isso sem citar o talento das duas que, após serem reconhecidas e contratadas pela Queen B, entregaram trabalhos onde assinam a autoria e produção de todas as faixas.

Ensaio da dupla (Halle e Chloe, da esquerda pra direita) para a edição de outubro da revista Cosmopolitan [Foto: Reprodução]
A hora ímpia, nome do álbum traduzido de maneira livre, apresenta uma quebra com a imagem que as pessoas tinham das cantoras. A irmã mais velha, Chloe, em entrevista para a BBC Radio 1, diz que o conceito do nome vem para mostrar que elas não são esses anjos perfeitos como as pessoas tinham em seus subconscientes, e que é normal apresentarem imperfeições.

A introdução do álbum diz respeito exatamente sobre isso, sendo majoritariamente instrumental e com apenas um verso: “Nunca peça por permissão, peça por perdão”. E, seguindo um gosto adquirido recentemente pela internet, a introdução se conecta com Forgive Me, a música seguinte, através de uma transição instrumental que apresenta continuidade – o interesse por essa característica entre uma faixa e a outra ganhou bastante notoriedade com o álbum Chromatica, de Lady Gaga, nas faixas Chromatica II e 911.

O conceito do álbum segue muito bem aquilo que foi proposto. Forgive Me se torna um destaque, tanto pela letra, que aborda o término de relacionamento com erros e mentiras, mas de forma bastante autoral; quanto pela melodia que apresenta elementos que nos remetem à corais e outras simbologias religiosas e contém, novamente, uma harmonia única entre as cantoras.

“Então me perdoe porque não estou chorando, melhor acreditar que vou passar por coisas melhores”

Passando por Baby Girl, Ungodly Hour apresenta a posição de empoderamento sem remorso das cantoras. Nela podemos interpretar que elas cantam para elas mesmas e tantas outras garotas negras que enfrentam dificuldades mas que ainda sim assumem um papel de representação muito importante e o verso “faça isso pelas garotas ao redor do mundo” reflete isso muito bem.

Do It é a música com maior destaque comercial até então, trabalhando com sonoridade, letra, visual e até mesmo coreografia mais comerciais do que em outros momentos do álbum. A faixa é um dos ápices da obra por demonstrar exatamente como as irmãs se apresentam nesse trabalho: autênticas, detentoras de poder sobre suas próprias vidas, mas sem esquecer que são jovens.

E a canção consegue ser o caldo de toda a carreira da dupla, seja através da viralização da coreografia no TikTok,  ou pela letra que tem como objetivo mostrar como elas são imperfeitas, assim como todas as outras pessoas do mundo. Não deixando de lado um conteúdo muito jovem e realmente nativo da internet, a produção entrega uma das faixas mais pop do álbum.

Halle, a irmã mais nova, foi elencada para interpretar a Pequena Sereia no live action e respondeu aos muitos comentários críticos falando que não foca na negatividade e que esse papel é maior que ela (Foto: Reprodução)

O álbum segue entregando produções muito contagiantes que não deixam de lado o papel inicial que as cantoras assumiram. Ungodly Hour, faixa-título, reúne diversas características apresentadas até agora, porém com um diferencial muito relevante para a nossa geração: as irmãs Bailey apresentam através da letra, uma certa maturidade emocional ao não caírem nos jogos bobos e apontar que seus parceiros precisam gostar de si mesmos antes de se relacionar com elas.

Essa maturidade emocional também aparece em Catch Up (parceria com Swae Lee e Mike WiLL Made-It), “Eu tenho um futuro com coisas a perder”; Lonely, “Não precisa ser solitário estar só”; e em Don’t Make It Harder on Me elas reconhecem que ainda não superaram um relacionamento mas que sabem o que é preciso. E sem esquecer aquilo que elas consideram suas imperfeições, como em Overwhelmed, um relato sobre ansiedade e se sentirem sobrecarregadas e em Wonder What She Thinks of Me, onde elas contam como é estar no papel de amantes de alguém infiel.

O álbum termina com ROYL (“Rest of Your Life” ou “Resto da Sua Vida”), que conclui muito bem a jornada, conciliando todos os pontos falados até agora, porém com uma energia da máxima ‘só se vive uma vez’, o que justifica, ainda mais para nossa geração que pode se identificar tanto com o trabalho, basicamente qualquer coisa. Particularmente, o único problema que vejo é o fato de, embora essa seja uma faixa com conteúdo ótimo para concluir Ungodly Hour, o fato de estar posicionada após algumas músicas que desaceleram a obra faz com que ROYL dificilmente tenha todo o seu potencial explorado.

O segundo álbum de estúdio das irmãs Chloe e Halle Bailey nos entrega uma experiência que pode ser bastante intensa e necessária, uma vez que é muito importante reconhecer nossos erros, pontos fracos e imperfeições e aprender a viver com eles. É um passo essencial para ter maturidade emocional, um assunto que atualmente é tão apontado como em falta.

Conceitualmente, o CD segue uma linha muito visível, onde as cantoras se colocam em uma posição, através das composições, de que sabem quem são e que estão no controle de suas próprias vidas, um aspecto que se mantém vivo durante a experiência do contemporâneo Ungodly Hour do primeiro ao último verso. Um ponto de destaque para essa posição que elas interpretam nas músicas é a honestidade, já que podemos ver, ao acompanhar a vida e carreira das irmãs, que elas realmente são assim.

Ungodly Hour passa uma mensagem de amadurecimento: as artistas querem se livrar do posto de anjos perfeitos como dito e, para isso, elas produzem um álbum que oferece maturidade em conciliação com autenticidade de forma excelente. Elementos que juntos se tornam essenciais para que elas consigam transmitir quem são, algo que nós dos 20 e tantos anos ainda almejamos descobrir.

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