Um Forte Clarão não passa de uma fagulha

 Cena do filme Um Forte Clarão exibe uma pessoa, à distância, parada em uma rua vazia durante a noite. Ela está de costas, levando uma mala em uma das mãos. As poucas luzes dos postes estão acesas, iluminando somente parte da rua. À esquerda, vemos casas enfileiradas e, à direita, um muro branco.
Ruas escuras são uma constante no longa que integra a Competição Novos Diretores da Mostra de SP (Foto: Tentación Cabiria)

Caio Machado 

Morar em cidade pequena pode ser pacífico, sem o estresse e o ritmo frenético das capitais, mas também pode ser um verdadeiro tédio por causa da rotina limitante e da falta de coisas diferentes para fazer. No caso de Um Forte Clarão, filme exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o marasmo serve como um pretexto para que os personagens contem histórias e tenham experiências inexplicáveis. 

A trama acompanha diversas personagens: Isa (Isabel María Mendoza) utiliza um gravador para registrar mensagens para si própria para quando sumir ou perder a memória, Cita (Carmen Valverde) que se sente presa a seu casamento, María (María Sosa) retorna ao povoado onde nasceu para lidar com o falecimento do marido e um trio de mulheres têm que lidar com o fato de que sua cidade é um lugar que parou no tempo. 

Cena do filme Um Forte Clarão exibe uma mulher parada no mar. A água alcança seu umbigo e ela está de costas para a câmera. Veste uma camiseta branca e tem cabelo preto, na altura dos ombros. Ao longe, vemos duas ilhas.
A direção de Ainhoa Rodriguez sempre assume uma distância segura dos personagens (Foto: Tentación Cabiria)

Então, o que abordar em um ambiente que aparenta ter um cotidiano tão apático? A solução adotada pela produção espanhola, vencedora do Prêmio Especial do Júri no Festival de Málaga, é deixar seus personagens viverem normalmente, enquanto contam histórias uns para os outros na tentativa de fazerem o tempo passar mais rápido. O “forte clarão” do título nem tem tanta importância assim se comparado à força das narrativas orais dentro daquele universo. 

Diante da cidade abandonada e da vegetação que intensifica a solidão, essas histórias, contadas em longas conversas, ganham força por conta de sua peculiaridade. Relatos sobre um escândalo amoroso, um pequeno milagre ou mesmo uma visão que parece ter saído de um filme surrealista prendem nossa atenção pela forma persuasiva como os personagens os narram. Para eles, saber desses acontecimentos não é só entretenimento, mas um escapismo necessário para conseguirem aguentar a vida. 

Cena do filme Um Forte Clarão exibe várias mulheres brancas idosas ao redor de uma mesa. Elas parecem estar sob efeito de alguma droga. Algumas mulheres tocam no rosto das outras e, em cima da mesa, uma mulher está deitada com a mão no rosto. Parece extasiada.
Em seus momentos mais catárticos, Um Forte Clarão foge do comum (Foto: Tentación Cabiria)

Parte das narrativas são ilustradas por cenas mais abstratas, como quando um animal vai em direção a uma luz vermelha alienígena que vem de dentro de uma casa, à noite. São pequenos momentos que soam libertadores pois quebram o ritmo ordinário que Mighty Flash tinha estabelecido até então. Não se aprofundam tanto na bizarrice quanto poderiam, mas beneficiam a obra que, caso contrário, não teria nada de interessante a oferecer além de uma rotina simples e sufocante. 

Como as mulheres que conversam ao redor da mesa em algumas cenas, Um Forte Clarão sofre por estar preso ao cotidiano, sem conseguir elaborar um drama ou atmosfera interessantes o suficiente. O que acaba se destacando são as histórias contadas pelos personagens e os momentos abstratos de Destello Bravío, onde se permite expandir um pouco os horizontes e fugir da prisão da realidade. Em uma obra desinteressada nas pessoas que exibe em frente à câmera, a sensação é a de que esses acenos para o desconhecido dão um vislumbre do excelente filme que poderia ter sido, mas, em vez disso, fez igual ao pássaro da cena final: voou um pouco para logo voltar para o chão. 

Deixe uma resposta