Tove dança nas reviravoltas rumo à Arte

Cena do filme Tove. Ao lado esquerdo da imagem, vemos a protagonista Tove, interpretada por Alma Poysti, uma mulher branca, de cabelos loiros curtos, aparentando cerca de 35 anos, vestindo uma blusa de botão verde e uma cardigan bege, com os braços apoiados em uma mesa e um lápis azul na mão esquerda. À sua frente, do lado direito da imagem, vemos uma mesa com papéis, pincéis, um cavalete e outros objetos de pintura sobre ela.
Exibido exclusivamente nas salas de cinema da capital, Tove faz parte da seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Helsinki Filmi)

Vitória Lopes Gomez

A vida é uma aventura maravilhosa e deve-se explorar todos as suas reviravoltas”. Mente e a mão por trás de um dos cartuns mais famosos do mundo, Tove Jansson se considerava uma “artista falida”. Na cinebiografia Tove, produção finlandesa exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a diretora Zaida Bergroth ilumina os caminhos da escritora, pintora e ilustradora sueco-finlandesa até a criação de seus mundialmente conhecidos Moomins, que a tornaram referência mundial e um tesouro cultural do país. 

O recorte temporal escolhido é o de meados da década de 40, anos antes da artista fazer seu nome. Lutando para se sustentar, uma sonhadora e perdida Tove (Alma Poysti) procura sua vocação artística e deseja se desvencilhar da influência de sua família, principalmente a de seu pai Viktor Jansson, um prestigiado escultor que tenta moldar a carreira da filha. Se definindo como artista visual, ela constantemente procura seu lugar no mundo das artes, mas sua paixão claramente são seus personagens fictícios e autorais, que não consegue deixar de rabiscar no papel. O pai esnoba, lembra que “isso não é arte” e que ela nunca conseguirá sobreviver dos desenhos. Assim, ela dedica sua energia à pintura.

Cena do filme Tove. Em um estúdio com duas prateleiras cheias de livros, quatro janelas, uma delas coberta por uma cortina vermelha, uma mesa, um sofá, vasos, quadros, enfeites e uma estátua de uma mulher no canto direito, vemos, sentada no chão ao centro, a protagonista Tove, interpretada por Alma Poysti, uma mulher branca, de cabelos loiros lisos e curtos, aparentando cerca de 35 anos e vestindo um avental branco. Ela está no chão, inclinada sobre um quadro e pintando-o de branco com um pincel, que está em sua mão direita. Vemos, ao lado dela, um pote marrom com tinta branca e, abaixo dela e do quadro, um tapete branco.
As cenas no estúdio/apartamento do filme foram gravadas no estúdio real de Tove Jansson, que ainda está como ela o deixou, no centro de Helsinque (Foto: Helsinki Filmi)

Ao invés de detalhar o processo de criação ou o sucesso dos Moomins de Tove Jansson, a diretora prefere desvendar os caminhos que a levaram até lá. No pós-guerra europeu, mais especificamente em Helsinque, os ânimos artísticos estavam à flor da pele e, entre festas na companhia de outros artistas e intelectuais e ligeiras discussões sobre classe e Arte, a caracterização e ambientação pinta o panorama da época. Tempo, local e principalmente companhia em foco, o atencioso roteiro de Eeva Putro explora os aspectos pessoais da jornada da artista, os quais a atriz Alma Poysti encarna de forma encantadora, transparecendo o profundo e complexo leque de emoções de Tove.

Dançando seus caminhos até a descoberta de sua identidade artística, a protagonista, mais do que tudo – além de criar, pintar ou desenhar – ama. Tove reconhece o peso das relações românticas e fraternais na vida de sua musa e entrelaça o pessoal e o profissional. Afinal, o universo dos Moomins, a obra máxima e mais conhecida da ilustradora, se inspirou nas pessoas reais com quem convivia e na conexão que mantinha com elas. Mesmo que em uma narrativa dramatizada, o filme se mantém fiel aos relacionamentos e ao papel que estes desempenharam na vida de Jansson.

Cena do filme Tove. Na imagem, vemos, em close up, duas mãos brancas desenhando em um papel. A mão direita segura um lápis azul e desenha dois personagens Moomins, criaturas fictícias que lembram hipopótamos.
Tove foi a submissão oficial da Finlândia para o Oscar 2021 de Melhor Filme Internacional, mas o longa não conseguiu a indicação (Foto: Helsinki Filmi)

Com uma câmera texturizada e sensorial, que nos insere nos ambientes e nos envolve no ritmo de Tove, mérito da fotografia de Linda Wassberg e da montagem de Samu Heikkila, a biografia se debruça, principalmente, sobre os grandes amores que inspiraram e moveram a protagonista. O primeiro, o dedicado filósofo Atos Wirtanen (Shanti Roney), com quem Tove se relacionou quando ele vivia um casamento aberto e, depois, noivou, ofereceu sua primeira oportunidade como ilustradora, em uma época em que ela ainda se agarrava à esperança da pintura. Depois, a inebriante e sedutora Vivica Bandler (Krista Kosonen), uma “aristocrata que brincava de diretora de teatro” e por quem a artista nutria uma paixão arrebatadora, mas nunca correspondida, a incentivou a investir nos iniciais rabiscos dos seus personagens.

O sucesso de Tove Jansson com o mundialmente prestigiado universo dos Moomins só vem nos minutos finais, assim como a aparição de sua grande companheira de vida, Tuulikki Pietilä (Joanna Haartti), com quem ela passou o resto de seus dias. Ao invés de repetir o que já era conhecido da história da pintora, escritora e ilustradora, o filme direciona o olhar aos anos formativos da artista e foca não em seu destino, mas em sua jornada. Com um retrato do mundo interior e do espírito livre, artístico, boêmio e passional da artista, Tove mostra que o legado de sua musa não se limita às criações as quais ela se dedicou, mas o contrário: suas obras existem justamente por causa da vida que ela viveu – e, principalmente, por todas as suas reviravoltas.

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