Nota Musical – Maio de 2022

Arte retangular na cor lilás. Do lado direito está a caixa de um CD, este decorado por uma foto de quatro artistas: Kendrick Lamar, Florence, Ethel Cain e MC Dricka. Já ao lado esquerdo, está escrito, em branco, na área superior, “nota musical”. Ao centro, o logo do persona, um olho com a íris na mesma cor do fundo. Logo abaixo, o texto em preto “maio de 2022”.
Destaques de Maio de 2022: Kendrick Lamar, Florence + the Machine, Ethel Cain e MC Dricka (Foto: Reprodução/Arte: Ana Clara Abbate)

Seguindo nossas publicações mensais, o quinto mês de 2022 trouxe muitas novidades, selecionadas a dedo pela Redação do Persona. As celebrações no mundo da Música vão da turnê de despedida de Milton Nascimento, passando pelo reconhecimento da obra de Taylor Swift pela New York University (NYU), atravessando o mais recente ressurgimento comercial do clássico de Kate Bush, devido ao sucesso da nova temporada de Stranger Things, acordando o Pedrinho com o novo hit brasileiro e desembocando nos prolixos novos álbuns de The Smile e Kendrick Lamar. Preparem os ouvidos para a nossa playlist, pois o Nota Musical de Maio chegou. 

Aos 79 anos, Milton Nascimento anunciou o encerramento de sua trajetória com uma derradeira sessão de apresentações. Na estrada desde os 13 anos, Bituca declarou que não poderia fechar as cortinas sem executar canções de todas as fases de sua carreira em sua Última Sessão de Música. Vencedor do Grammy e um dos ícones do Clube da Esquina, o cantor carioca alcançou, em poucas horas, a expressiva marca de 65 mil ingressos vendidos para sua turnê.

“Acho que tem um menino sempre dentro de mim”, disse Milton Nascimento, prestes a completar 80 anos, em entrevista (Foto: Marcos Hermes)

Maio também foi o mês de consagração de Taylor Swift. Com 32 anos de idade, a cantora recebeu o título de Doutora Honoris Causa em Belas Artes, pela New York University, devido a sua destacada contribuição à História musical. No entanto, esse não foi o primeiro reconhecimento que a instituição manifestou à cantora: em fevereiro, a universidade – que figura na lista das mais respeitadas do mundo – lançou um curso sobre o trabalho e trajetória musical da artista. Antes disso, ela ainda esquentou seu nome na mídia com o lançamento de This Love (Taylor’s Version), mais uma de suas regravações do lendário 1989, o que acabou por confundir ainda mais os fãs sobre o próximo disco que será alvo do seu projeto de retomada de direitos autorais. 

Sobre os clássicos incompreendidos, não é novidade que Kate Bush, mesmo com seus contínuos hiatos e seu afastamento da cena pública, sempre volta. Ela retorna porque consegue, sempre, se fazer clássica no sentido de criar formas únicas do pop que servem enquanto inspiração a artistas como ROSALÍA, que recupera suas perspectivas sobre ser artista, Charli XCX, sempre trazendo o mesmo instinto de experimentação, e Lorde, que consegue, com maestria, reconstruir vocais pra lá de bushianos.

Diferentemente da canção Babooshka, que, no TikTok, ressurgiu com seus característicos maneirismos vocais e pelo sempre distintivo storytelling, o retorno de Running Up That Hill (A Deal With God) às paradas, lugar onde ocupou mais de uma vez desde seu lançamento, vem movido pelo sentimento de nostalgia tão emulado e trabalhado na série Stranger Things, que instrumentaliza tal sentimento como se fosse personagem da narrativa. Agora, só resta à Geração Z interagir de forma mais intensa com os mundos que foram criados por Bush dentro de seus projetos, e que desfrutem do melhor que o seu synthpop extraordinário tem a oferecer.

Se Harry Styles parecia ter atingido o ápice criativo com o disco Fine Line, o terceiro álbum de estúdio do ex-One Direction chegou às plataformas de streaming para mostrar o contrário. Harry’s House é o trabalho mais pessoal e experimental do britânico e, com 13 faixas, transita entre o aconchego de um lar e a inconsistência do ato de sair de sua zona de conforto. Styles, vale ressaltar, assina grande parte do projeto ao lado de Kid Harpoon, produtor e parceiro musical de longa data. As novas composições e o sucesso estrondoso do primeiro single (As It Was), por sua vez, somente reforçam a teoria de que Harry’s House fará ainda mais barulho nos próximos meses.

De qualquer modo, enquanto as previsões não se cumprem, ou caem totalmente por terra, é possível observar que os experimentalismos marcaram vasta presença em mais um mês de numerosos lançamentos. Em solo nacional, por exemplo, Urias explorou um aspecto mais agressivo do improviso na Música eletrônica para elaborar a primeira parte de seu futuro álbum, dando origem ao EP HER MIND, PT.1. Embalando seus vocais rasgados em instrumentais mergulhados nas influências do mais subterrâneo techno, mescladas com referências do pop e do rap, a cantora constituiu canções embarcadas em um experimentalismo que não se importa tanto com o significado de suas composições – caso de Je ne sais quoi e The way I drop -, mas que contribuem para o poder performativo de seu flow, mirando justamente nas fronteiras entre os gêneros musicais explorados.

Já no universo das telinhas, uma das melhores canções do álbum Terra Vista da Lua, de Felipe de Oliveira, foi coroada com um videoclipe bastante curioso. No lado visual de Cara da Esquina, referências ao filme Um Cão Andaluz, dentre outros símbolos chamativos, se misturam com um formato inusitado – um recorte quadrado, ao invés da tela retangular que dá base à maioria dos clipes musicais – para proporcionarem uma imersão única, que dificilmente será decifrada de primeira. 

O espaço sideral, a propósito, também combina com Mitosis, novo single de Eartheater. Nele, a voz de Alexandra Drewchin (Eartheater) transita entre as fronteiras do sacro e da total profanação, principalmente quando sobreposta às produções, oriundas das boates underground londrinas, de Sega Bodega. Com vocais quase gritados, que se diluem em sintetizadores agressivos, a cantora consegue nos surpreender com seus sussurros justapostos a momentos em que a produção também desacelera, nos enlaçando em seu feitiço e em suas harmonias extraterrestres.

Capa do EP HER MIND, PT.1. Arte quadrada, com fundo azul-escuro. Na parte superior, lemos Her Mind em letras prateadas. Abaixo, observamos a cantora Urias em fotografia exclusivamente azul e amarela.
Pouco tempo depois de angariar elogios com o lançamento de FÚRIA, Urias está de volta à cena (Foto: Mataderos)

Não menos experimental foi 070 Shake, com o lançamento da faixa Body. Afinal, o terceiro single do segundo álbum da protegida de Kanye West – e recente parceira musical de Madonna – conduz seu rap único, juntamente dos vocais sussurrados e minuciosos da brilhante Christine and The Queens, sobre um instrumental montado por batidas e sons com um quê de ficção científica, que ajudam na construção de uma expectativa de um drop que não ocorre, brincando, assim, com a estrutura da canção, semelhante a um fluxo de consciência que discorre sobre sexo e corporeidade.

Indo além dos experimentos, maio foi também um mês de muitas combinações. Nesse contexto, e analisando retrospectivamente seus últimos trabalhos, para, com propriedade, falar de This Hell – canção que é o carro-chefe de seu novo álbum, Hold The Girl -, é óbvio que o melhor que Rina Sawayama faz é debruçar-se sobre fusões. Sempre flertando com os mais diversos gêneros, desde o R&B em seu EP ao nu metal no seu primeiro álbum, Rina brinca agora – com suas entoações somadas a guitarras dignas do pop caubói de Kacey Musgraves – com toques de um country em diálogo com referências dos anos 2000, como menções a Paris Hilton e Shania Twain, mas sempre sem perder o toque queer no surfe que realiza sobre as mais distintas formas de se fazer Música Pop.

Capa do single This Hell. Fotografia quadrada, com fundo vermelho. A cantora Rina Sawayama ocupa o centro da imagem. Ela aparece sentada em uma cadeira verticalmente comprida. Rina é uma mulher de cabelos pretos, roupa branca, com partes do corpo à mostra, olha para o lado esquerdo da imagem e apoia os braços para trás, na cadeira. O chão onde Rita e a cadeira se apoiam está repleto de água.
Com lançamento previsto para setembro, This Hell marca a primeira investida de Rina Sawayama na era Hold The Girl (Foto: Dirty Hit)

Enquanto isso, no Brasil, Cardiopulmonar – o último single avulso antes do início do projeto de lançamento do primeiro álbum solo de Mel – remonta a um entusiasmo que somente uma mistura bem feita de pandeiros da MPB, dos sintetizadores house music e de um bom e já quase clássico pop com gostinho brasileiro poderia trazer; ainda mais em seus vocais, mestres nessa cena com seu passado na sempre eterna Banda Uó. Já a veterana Claudya cumpriu com a promessa de abril e mergulhou no paradoxo de transformar as canções da Jovem Guarda em Bossa Nova: principal intenção do álbum A Nossa Bossa Sempre Jovem

Por falar em nomes consolidados da MPB, João Bosco eternizou um dos encontros que teve com a Orquestra Ouro Preto, em 2021, dando origem a um álbum que foi elogiado pelo jornalista Augusto Diniz, da revista Carta Capital. No novo trabalho, Gênesis, a mescla de sonoridades consideradas eruditas com os sons tidos como populares é um dos grandes atrativos de mais de uma hora de show

Igualmente destemida, Becky G voltou colocando as origens latinas nos holofotes ao lançar o segundo álbum de estúdio da carreira. Esquemas conta com 14 faixas, trazendo, dentre elas, o sucesso em parceria com Karol G, MAMIII. Todas as músicas da produção são cantadas em espanhol e misturam merengue, jazz, pop e eletrônica. A cantora, aliás, deixa em segundo plano a necessidade de agradar à indústria com hits mecânicos, destacando-se agora com a confiança e maturidade que adquiriu ao longo de sua trajetória musical.

Capa do álbum O Tempo É Seu Irmão. Ilustração quadrada, com fundo bege. Na parte superior, lemos O Tempo É Seu Irmão em letras azuis. Ao centro, formas geométricas azuis, amarelas e cinzas formam uma paisagem com árvores, nuvens, uma estrada, uma casa e o sol. Na parte inferior, lemos Chico Lobo em letras amarelas.
Chico Lobo lançou o 27º álbum da carreira, O Tempo É Seu Irmão (Foto: Kuarup Música)

Também ousada foi a jornada de The Chainsmokers. Após um ano distante das redes sociais, a dupla musical resolveu reaparecer para inaugurar uma nova fase artística. No quarto álbum da carreira, So Far so Good, Alex Pall e Drew Taggart rompem laços com a receita pronta que utilizavam em suas produções e passam a explorar a subjetividade. A base do disco foi construída em uma viagem do grupo ao Havaí e surge justamente com a proposta de apresentar ao público uma versão mais íntima dos cantores. Aproveitando a versatilidade das batidas de sintetizadores, as músicas são construídas com beats mais marcados, que complementam as experimentações instrumentais e os vocais lúdicos da proposta.

Um artista, por sinal, esteve muito próximo dos sons de Alex e Drew. Esse é o caso de Flume, que, em seu mais novo álbum, Palaces, se propôs a um projeto mais coeso que sua antecedente mixtape, conduzido por um fio narrativo liderado por novas centralidades no conflito da dualidade humano e natureza, diluindo o antropocentrismo em algo que mais se assemelha a um bizarro modelo capitalista do mundo natural. Nisso, ele tenta criar sobre as possibilidades de encontro entre a natureza e a tecnologia. Mesmo que, em algumas canções, exista uma sonoridade que se assemelhe ao EDM de The Chainsmokers, as participações da produção e dos vocais de Oklou, juntamente do experimentalismo robótico do reggaeton de Virgen María e da grandiosa presença de Caroline Polachek, conseguem trazer o diferencial, tirando um pouco o álbum do produtor de fora da curva.

Capa do single for the girls. Fotografia quadrada, com fundo azul-claro. Hayley Kiyoko ocupa quase toda a imagem. Ela é uma mulher de cabelos longos, maquiagem discreta e veste uma roupa metalizada cor-de-rosa, formada principalmente por pequenas escamas, deixando grande parte do corpo à mostra.
A nova música de Hayley Kiyoko, for the girls, foi lançada no mesmo dia em que a cantora anunciou seu segundo álbum de estúdio, PANORAMA (Foto: EMPIRE/Atlantic Recording Corporation)

No fim, comeback foi o que não faltou no mês de maio: dois anos após o lançamento do intimista EL ÚLTIMO TOUR DEL MUNDO, Bad Bunny retornou aos discos com o melodrama visceral de Un Verano Sin Ti. Apostando no desengano como fio condutor, o cantor porto-riquenho trouxe ao público composições fortes e bem amarradas. Com influências do reggae e do R&B, a sonoridade do novo álbum adquire uma singularidade cercada de boas experimentações e ascensão de ritmos tipicamente latino-americanos, como a Bossa Nova. Un Verano Sin Ti ganhou boas avaliações da crítica especializada e alcançou a marca de 100 milhões de streams no Spotify em apenas um dia. Na obra, o cantor explora o que há de mais profundo na dor, enquanto representa a imensidão dos sentimentos em cores vibrantes.

Além disso, após seis meses do lançamento de One Right Now, Post Malone ressurgiu com o single Cooped Up, em parceria com o rapper Roddy. A canção precedeu o lançamento do álbum Twelve Carat Toothache, que foi disponibilizado no dia três de junho. E, depois de quase um ano do lançamento do single I Like That, Bazzi retornou com uma nova música, Will It Ever Feel The Same?. Nela, o cantor estadunidense reflete sobre o término de um relacionamento utilizando uma melodia tocante, misturada com batidas clássicas de seu estilo.

Alguns artistas, no entanto, resolveram olhar para o passado com a finalidade de renovar trajetórias já consolidadas. Começando por uma divindade brasileira: majestosa como sempre, Elza Soares mergulhou na própria carreira e colheu alguns de seus melhores frutos para compor o repertório preciso – e precioso – do álbum Elza Ao Vivo No Municipal. Gravado nos dias 17 e 18 de janeiro, dois dias antes da morte da cantora, o último registro da Mulher do Fim do Mundo não só leva um de nossos maiores ícones culturais a mais um dos espaços nobres nacionais, como também nasce em um marco extremamente simbólico. Disponibilizado em 13 de maio, Elza Ao Vivo No Municipal veio ao mundo na data que é considerada pelos umbandistas como o Dia de Preto Velho – e, em todo o país, como o Dia Nacional da Denúncia Contra o Racismo. 

Já na cultura estadunidense, outra rainha se manteve mais produtiva do que nunca. Afinal, se não é novidade que Madonna adora um remix, em maio, além de disponibilizar uma pequena amostra do vindouro álbum Finally Enough Love: 50 Number Ones, por meio dos singles Into The Groove (You Can Dance Remix Edit) [2022 Remaster] e Deeper And Deeper (David’s Radio Edit) [2022 Remaster], a Rainha do Pop esteve mais uma vez ao lado de Sickick para divulgar uma terceira roupagem inédita aplicada – somente neste ano (!) – ao hit Frozen. A faixa da vez recebe o título de Frozen On Fire e enriquece o clássico do pop com alguns versos novos.   

Retrato da cantora Elza Soares. Fotografia retangular horizontal, com fundo alaranjado. A artista brasileira ocupa quase toda a imagem. Ela é uma mulher negra, maquiada, olha para frente e veste roupas laranjas, com destaque para um grande turbante na cabeça.
Além de revisitar mais de 60 anos ativos na estrada da Música, a Voz do Milênio ainda apresenta nítidos recortes biográficos por meio das letras presentes em Elza Ao Vivo No Municipal (Foto: Victor Affaro)

Indo do português ao inglês, as imersões retrospectivas não poderiam deixar de lado o espanhol. E foi em Grandes Éxitos en Español que a banda paulista Francisco, el Hombre celebrou sua ligação com o México, fazendo um compilado dos maiores sucessos gravados na língua que dá título ao disco. A setlist da obra conta com 14 faixas e resgata canções de todas as fases da banda, entregando um ar saudosista à produção. 

A música de abertura, Hoy Muero Feliz, é também a última faixa do disco e nos é apresentada em duas versões: a mexicana e a brasileira. A ideia de juntar as letras no idioma espanhol em um álbum específico vem da origem mexicana dos irmãos Sebastianismos e Mateo. Já quando se trata das múltiplas versões de uma só canção, os integrantes dizem que há diferenças entre um público e outro e, por isso, veem como necessário construir gravações bem encaixadas com o perfil dual dos ouvintes.

Ainda no país tropical, Tetê Espíndola resgatou composições da parceria entre Arnaldo Black e Hilton Raw para formar o EP Notas de Tempo Nenhum. Fato curioso é que esse novo trabalho mescla gravações antigas e captações sonoras recentes, formando uma tracklist com pouco menos de 20 minutos. Já Belle and Sebastian chegou com A Bit of Previous, o 11º álbum da carreira. Reinventando clássicos do indie folk, a banda escocesa fez da nostalgia a protagonista do lançamento. 

Apesar da manutenção das marcas registradas do grupo, as 12 faixas do disco expõem uma maturidade na musicalidade dos artistas. A instrumentalidade explora ritmos presentes no universo gospel, brinca com batidas do pop e viaja entre músicas tranquilas e enérgicas. Além da retomada das raízes da Música Alternativa, são resgatadas as origens e a história dos quase 30 anos de atuação da banda. Os clipes contam com fotos antigas dos integrantes, tanto como grupo, quanto em suas vidas pessoais.

Mas as revisitações não pararam por aí. Trazendo, com muita sensibilidade, seu repertório para o universo infantil, Caetano Veloso se uniu mais uma vez ao Mundo Bita, agora para regravar a clássica canção Odara. Zeca Veloso, por sua vez, mostrou-se primoroso ao dar o primeiro passo rumo a um também primeiro álbum autoral. Resgatando O Sopro do Fole, composição gravada por Maria Bethânia no álbum Noturno, o filho de Caê brilha como intérprete de uma versão repaginada e ampliada, que alcança elevada relevância ao apresentar um instrumental renovado, versos inéditos e um videoclipe sublime. 

Por falar no disco da Abelha Rainha, não podemos nos esquecer de quem assinou a direção musical e os arranjos dessa obra encantadora: morto em 2021, Letieres Leite continua vivo por meio de seus trabalhos. Em maio, o artista contribuiu postumamente com a Música brasileira ao lançar, junto da Orkestra Rumpilezz, o álbum Moacir de todos os santos – uma evocação ao “gênio da música brasileira” Moacir Santos. O disco conta ainda com a participação de Caetano Veloso.

Como nem tudo são flores na indústria musical, a nova faixa de Vitão, Declaração, remete aos primeiros singles da carreira do cantor, mas carrega um tom de despedida. A canção relembra a musicalidade de lovesongs como Tá Foda e Café e, apesar de acompanhar um videoclipe romântico, tem como temática das entrelinhas as experiências negativas que o artista vivenciou com o hate na internet. Vitão tem sido alvo de portais de fofoca por falar de suas novas descobertas de si mesmo e contou que Declaração representa uma transição para novos ares. Assim, a música abraça o novo ciclo, despedindo-se do último de maneira singela, mas grandiosa.

Aliás, de recomeços, Shygirl entende bem. Isso porque Firefly, o lead single do primeiro álbum da cantora londrina – integrante do selo NUXXE, juntamente com Sega Bodega e COUCOU CHLOE -, a aproxima de sensibilidades da música pop das pistas de dança europeias, um terreno já explorado em faixas como TASTY, de seu último EP. Agora, a artista, com outras perspectivas e relações com a Música pop, já reconhecidas pela presença, junto à produção de Mura Masa, nos remixes do Dawn Of Chromatica, de Lady Gaga, distancia-se do agressivo, gutural e meio blasé rap que antes caracterizava suas canções ressoadas nas boates underground para mirar no europop que seria um estouro nos charts dos anos 2000, cantando sobre batidas que os artistas do início desse milênio sonhavam ter feito. Firefly traz o sentimento de uma canção perdida em uma coletânea do mais brilhante eurodance, partilhando do preciosismo de um tesouro (re)descoberto.

Já que mencionamos a Mother Monster, não podemos deixar de comentar mais uma das incansáveis investidas artísticas da “garota italiana de Nova Iorque”. Primeiro, é preciso lembrar que, nos anos 80, a canção original de Top Gun venceu o Oscar, para finalmente dizer que, passados 36 anos, Lady Gaga dá vida a Hold My Hand, música que brinda Top Gun: Maverick e tem potencial para repetir o feito de Take My Breath Away. Vale ressaltar que, além de canetar a faixa dos créditos, Gaga assina a trilha sonora original do longa ao lado do lendário Hans Zimmer, que acabou de vencer o prêmio da Academia por Duna.

Indo além das ligações com a década de 80, a Música contemporânea ainda se conecta com outros períodos memoráveis de um passado não tão distante – e o álbum meet the terrible exemplifica bem essa realidade. De fato, talvez não exista gênero melhor do que o pop rock para cantar sobre inseguranças, e brvnks sabe muito bem disso. A escolha da cantora de trazer seus vocais em composições tanto em português quanto em inglês mais parece orientada por um quê estético e expressivo, vindo, ao entender, por exemplo, que a sinceridade alcançada na canção as coisas mudam necessite de sua língua materna, enquanto, ao tentar reproduzir o mais cru e verdadeiro rock feminino dos anos 90, como na faixa-título, o inglês seja a escolha ideal. 

Com referências que, no audiovisual, vão de Leos Carax até Wong Kar-Wai e, na Música, remontam às delicadas sonoridades de Soccer Mommy, mas ao mesmo tempo recuperando um pouco da espontaneidade e do improviso de Cansei de Ser Sexy, brvnks constrói uma coleção de pequenos sentimentos e confissões em seu mais novo álbum, assumindo uma fragilidade perante às mudanças que a vida adulta a sujeita.

Mantendo a vibe nostálgica de seu último lançamento, Rody Martinez retornou aos anos 1990 com o single House Todo Dia. Menos atraente do que o Flashback de abril, a nova canção ainda assim pode conquistar a atenção do público por ter uma conexão orgânica com a adolescência do artista. Sob uma atmosfera semelhante, a banda italiana Måneskin lançou o single SUPERMODEL. Dedicada a criticar o endeusamento de celebridades, a faixa vem acompanhada de um videoclipe recheado de referências ao universo cinematográfico dos anos 90. 

E o que seria de um mês sem as já aguardadas regravações? Começando pela banda folk rock The Lumineers, que deu uma cara nova ao clássico Just Like Heaven. Durante a Spectrum Session da rádio SiriusXM, os artistas regravaram a canção e trocaram o impacto gritante pelo classicismo moderno. Em uma linha baseada na simplicidade, a banda mostra destreza em uma construção que valoriza vocais mais alongados e instrumentais comedidos. Já Luana Carvalho, filha de Beth Carvalho, celebrou os 76 anos da mãe – morta em 2019, mas imortal na história da Música brasileira – por meio de uma regravação e repaginação da música Andança

O grupo Carlos Malta e Pife Muderno, por sua vez, esteve junto de Gilberto Gil em uma regravação da faixa Expresso 2222, composta – e originalmente gravada – pelo veterano baiano. Não parando por aí, a família Gil marcou presença em mais um interessante lançamento: unidos ao Pacto Global da ONU Brasil, Margareth Menezes, MC Soffia e os Gilsons buscaram dignidade para os “trabalhadores do povo” no single Salário Digno.

Capa do EP Papo. Fotografia quadrada, dividida em três retângulos. O primeiro se encontra no lado esquerdo da imagem, tem fundo azul-claro, estampa o nome Gab Lara em letras pretas, no canto superior esquerdo, e é ocupado principalmente por uma foto do artista brasileiro. Lara é um homem branco, de cabelos cacheados, barba curta e roupas brancas e pretas, aparentemente feitas de sacos plásticos. O segundo retângulo se encontra no canto superior direito da imagem, tem fundo vermelho, com várias bordas pretas, e estampa o título Papo em letras pretas. O último retângulo está no canto inferior direito da imagem, tem fundo bege e apresenta uma ilustração de difícil interpretação, sendo nítida somente a presença de um telefone vermelho.
Gab Lara elaborou um trajeto breve – mas que percorre até mesmo a cidade de Iacanga (SP) – em seu EP de estreia, Papo [Foto: Marina Zabenzi]
Ainda no rico cenário nacional, é preciso destacar a cantora Brisa Flow. Em seu novo single, Making Luv, a artista indígena que vem ganhando cada vez mais espaço na Música brasileira canta sobre o amor e coragem entre os povos originários. Em cima de um beat do estadunidense Tidus e com participação de Ian Wapichana, os vocais suaves e sóbrios da artista mantêm sua clássica aproximação com o rap. A faixa, vale lembrar, foi uma prévia de seu terceiro disco, Janequeo, que foi lançado no começo de junho. Já Iara Rennó celebrou os orixás mais populares do Brasil, dando origem ao álbum Oríkì. Resultado de mais de 13 anos de pesquisa, criação e produção, o disco ainda conta com participações ilustres, que vão de Tulipa Ruiz e Anelis Assumpção a Carlinhos Brown e Criolo.

E como não falar de um dos grandes fenômenos nacionais da atualidade? Depois do sucesso dos EPs Rainha dos Fluxos e Acompanha, Mc Dricka lançou seu primeiro álbum, Rainha. Com oito faixas, a cantora explora o funk permeado por fortes influências do trap. Algumas das músicas contam com a produção do DJ Perera e outras do produtor Ecologyk, por isso há variações perceptíveis de beat. Dricka, aliás, fortalece a representatividade feminina no funk, e seu novo trabalho reafirma o compromisso da artista com a música periférica, renovando também os discursos tradicionais de um gênero musical cada vez mais consolidado.

capa do álbum Rainha, de MC Dricka. A imagem mostra uma arte composta por colagens e grafias estilizadas em tons de marrom, branco e vermelho terroso. Ao centro, a MC Dricka está sentada em uma cadeira de veludo. Ela é uma mulher negra, de cabelos cacheados, e usa uma calça jeans e uma camiseta. A sua mão esquerda apoia o seu queixo e ela olha para a câmera com expressão séria. Em cima de sua cabeça, existe o desenho de uma coroa.
Uma vez rainha, sempre rainha! (Foto: Som Livre)

Já que o assunto é sucesso, é impossível ignorar um dos temas mais explorados nas mais diferentes culturas ao redor do globo: os relacionamentos amorosos. E podemos começar falando de Yours, mais um single do próximo álbum de Conan Gray, Superache. Trazendo a dor e a desilusão de ser um objeto nos relacionamentos, o cantor exprime a tristeza em vocais dramáticos. A música veio acompanhada de um clipe dirigido por Damien Blue; na produção visual, flores e a mudança de tonalidades acompanham os versos dolorosos interpretados pelo artista. Entre rosas e margaridas, Conan Gray desabrocha em baladas românticas apaixonantes e brutais.  

Mais ou menos na mesma vibe temática, o pop taciturno de Noah Cyrus voltou a dar as caras. Em Mr. Percocet, a cantora faz um relato confessional sobre um relacionamento tóxico rodeado de dependências químicas e emocionais. A faixa ganhou um clipe em tons escuros dirigido por Boni Mata. O ritmo, por sua vez, traz referências ao folk e batidas bem marcadas. Como resultado, a artista nos emociona pelos encantos da dramaticidade.

E não podemos nos esquecer do single Ribs. Partindo da mesma sinceridade lírica de seu último álbum, ainda acompanhada pela crueza do instrumental, situado entre a mixagem eletrônica dos vocais, batidas dissonantes e a organicidade da guitarra que flutua pela canção, Tirzah se abre a discorrer sobre o amor mais uma vez e os sentimentos de descoberta que o acompanham. Ainda com a produção de Mica Levi, a harmonia nunca se perde em suas construções experimentais de melodias que se desenvolvem sem pressa alguma, magicamente, pelo curso da canção.

A linha sentimental, vale ressaltar, é longa: mixado para ser ouvido de uma única vez, e agir, nesse processo de escuta, como um loop, o novo álbum de Lykke Li, EYEYE, constrói uma sinceridade visceral acerca do sentimento do coração partido. Seus vocais partilham de um caráter confessional de uma gravação no celular misturados com um surrealismo preenchido pelo estado da vigília e pelo marasmo, que quase a faz parecer entoar uma canção de ninar em certos momentos, sobre os instrumentais, distantes, leves e mais atmosféricos do que realmente estruturais da canção, como em seu último álbum.

Finalizando os lançamentos do pop internacional, o destaque vai para Me Myself & I, que é o terceiro single do quinto álbum da banda 5 Seconds of Summer – previsto para ser lançado no dia 23 de setembro e intitulado 5SOS5. Misturando as sonoridades dos álbuns Sounds Good Feels Good  (2015) e CALM  (2020), a música reflete sobre a autossuficiência, questionando se ser autossuficiente é bom ou ruim, e quais as consequências dessa situação humana.

Capa do álbum EYEYE, de Lykke Li. A imagem mostra um close em seu rosto, sob um fundo escuro. A imagem está tremida. Ela é uma mulher branca, de olhos claros e cabelos escuros.
Ainda trabalhando na metafísica do coração partido, Lykke Li explora um lado mais fantasmagórico em EYEYE (Foto: Play It Again Sam/Crush Music)

Em que pesem os questionamentos, de algumas coisas podemos ter certeza. E uma delas é o fato de que as celebrações estarão sempre presentes nas criações artísticas. Por isso, não é de se espantar que, inseridos no clima festivo de grandes eventos culturais, Marcos Valle e Liniker ficaram responsáveis pela música-tema do festival Music Is The Answer (MITA). A faixa, disponibilizada via Deezer e YouTube, carrega um título breve (Vida), mas significativo, já que os versos da canção celebram esse elemento tão precioso para a existência humana. E, se os caminhos são alegres, não podemos deixar de resgatar uma verdadeira diva da MPB: depois de retornar, no ano passado, para os lançamentos inéditos com o disco Portas, Marisa Monte engatou a marcha e seguiu presenteando seus fãs com uma série de novidades. O mimo da vez é o single Feliz, Alegre e Forte, que expressa fidedignamente o alto-astral da artista brasileira.

Dos veteranos consagrados aos talentos mais recentes, acaba se tornando uma prática natural enaltecer cantores tão singulares quanto os nossos. E isso se torna ainda mais justificável quando os lançamentos vêm em dose tripla. Em maio, quem esteve por trás dessa proeza foi Tim Bernardes, com as canções Nascer, Viver, Morrer, BB (Garupa de Moto Amarela) e Mistificar – sendo as três singles do álbum Mil Coisas Invisíveis, lançado no mês de junho. Em uma poética apaixonante, o integrante da banda O Terno discursa sobre os verbos nascer, viver e morrer e suas multiplicidades nos vários períodos da vida. Já em BB, o cantor assume uma personalidade mais romântica em ode à pessoa amada. Com uma melodia tranquila e extremamente leve, a faixa soa como um abraço calmante.

Mas Tim não brilha somente na frente dos microfones. Nos bastidores do álbum O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim, da extraordinária Alaíde Costa, o jovem compositor brasileiro se destaca ao assinar, junto de Erasmo Carlos, a faixa Praga. O novo disco de Alaíde, vale ressaltar, foi destaque nos principais veículos de comunicação do país e reúne, em sua ficha técnica, uma equipe magistral, com destaque para Marcus Preto e Emicida, produtores da obra lançada em maio. De qualquer maneira, em um caminho construído também por nomes como Joyce Moreno, Guilherme Arantes e Nando Reis, não podemos nos esquecer de que a grande estrela da vez é a cantora de 86 anos.        

Encerrando os lançamentos da MPB, no clipe da canção Sem Cais, produzida pelo colaborador de longa data Kiko Dinucci, Juçara Marçal navega, ou melhor, é passageira, como afirma a ficha técnica do vídeo, em mares de concreto. Seus movimentos, potencializados pela corporalidade sugerida pela fotografia estonteante de Aline Belfort, são confrontados pela estaticidade maciça do concreto dos prédios de São Paulo, espaço onde a cantora, juntamente do genial Negro Leo, intervenciona e ocupa, assim como os pixos das paredes da cidade.

Na cena do rock nacional, quem retornou foram os Ratos de Porão. Lançando Necropolítica, primeiro disco inédito desde Século Sinistro (2014), o grupo de hardcore explora um assunto recorrente nas produções culturais dos últimos tempos: a degradação política e social que o Brasil vem enfrentando ano após ano, especialmente durante o (des)governo daquele que não merece ser nomeado.

Di Ferrero também voltou aos holofotes com 🙁 UMA BAD UMA FARRA 🙂, seu primeiro álbum de estúdio na carreira solo. Apresentando um mix de rock e de pop, o trabalho conta com participações de nomes novos e antigos do cenário musical. É um disco que apetece vários paladares, e que pode ser ouvido em uma porção de momentos: há algumas músicas que possuem uma batida mais rápida e pesada, com instrumentais de bateria e guitarra; outras, carregam uma batida mais leve, e  instrumentais mais suaves. 

No rock internacional, The Black Keys deu seguimento ao universo explorado em seu álbum anterior, e chegou com Dropout Boogie, seu 11º trabalho de estúdio, ampliando o horizonte blues rock, cujas origens do delta blues seguem mais contundentes. Ao longo de 10 canções rápidas – o disco todo possui pouco mais de trinta minutos de duração –, a dupla estadunidense mantém seu conservadorismo estético, atribuindo grooves e uma guitarra cintilante às canções, contando ainda com participação especial de Billy F. Gibbons. 

Também remetendo ao próprio passado, dois lançamentos ganham destaque: o álbum Cruel Country, de Wilco, cuja característica principal é sua abordagem simples e flutuante, cujo espírito silencioso do disco ganha vida a partir da voz de Jeff Tweedy, e o single The Foundations of Decay, primeira inédita de My Chemical Romance em 8 anos. Nos singles do gênero, Interpol e Built To Spill também marcaram presença. 

Em Fables, o trio estadunidense, liderado por Paul Banks, explora “um vocal alegre com letras otimistas e uma batida evocativa do R&B clássico com um aceno para a era dourada do hip hop; é uma jam de verão e uma música da qual estamos particularmente orgulhosos”, conforme Banks revelou. Na canção Understood, Built To Spill faz referência a um famoso motociclista dos anos 1970, Even Knievel, para refletir sobre os riscos, incertezas e limitações impostas pela vida. A canção integra o disco When the Wind Forgets Your Name, com lançamento previsto para 9 de setembro. É o primeiro disco do grupo a ser lançado pela gravadora Sub Pop Records.

Maio também foi o mês de Ethel Cain estrear com Preacher’s Daughter. Com apenas 24 anos, a cantora norte-americana combina alguns traumas religiosos numa base de pop sombria que a aproxima do rock antes de qualquer coisa – no primeiro dos muitos acertos estéticos de sua futura carreira. Subversiva mas um tanto passiva, a identidade da artista parece ser uma mistura de referências de Lana Del Rey em seus momentos mais traumáticos, Lorde em seus momentos mais revoltosos e – pasme – até de Taylor Swift em seus momentos mais vibrantes. Mas nada disso a impede de criar uma atmosfera única para o disco, que é imersiva em sua densidade instrumental (com uso marcado e muito bem produzido de guitarras, órgãos, sintetizadores) e lírica (repleta de metáforas e analogias melancólicas).

Também bebendo da textura melancólica e da densidade instrumental, Just Mustard ressurgiu com seu segundo álbum. Depois de ser denominado um grupo shoegaze no lançamento de Wednesday (2018), o quinteto traz uma pegada mais industrial em Heart Under, projeto que dá continuidade às suas gravações de estúdio. Contudo, o disco joga luz à condição autossuficiente da banda em não pertencer a nenhuma caixinha. Em sua estreia na gravadora Partisan Records – a mesma de Fontaines D.C. –, o quinteto irlandês procura novas formas de elucidar espécies de paisagens intocadas, através de sons experimentais que nunca se apoiam somente na guitarra – embora usem e abusem de elementos do rock alternativo. 

A bem da verdade, Heart Under parece ser norteado por uma força que não permite ser categorizada, inovando-se em cada faixa mas, ainda assim, mantendo um teor unificante. De acordo com os integrantes do grupo, o álbum tem a ambição de soar como a “experiência de dirigir através de um túnel com as janelas abertas”. Esse efeito quase sempre ganha forma sob a mistura reluzente da voz de Katie Ball e as linhas de baixo de Rob Clarke, dando vida a um ambicioso projeto que foca no tom e nas texturas.

“Fazemos com que guitarras não necessariamente soem como guitarras. É muito mais sobre o tom e texturas”, disse a vocalista Katie Ball em entrevista a NME (Foto: Olof Grind)

A Light for Attracting Attention, o aguardado álbum de estreia de The Smile, foi finalmente lançado no dia 13 de maio. Composto por treze canções, o disco do super trio britânico formado por Thom Yorke, Jonny Greenwood e Tom Skinner destaca-se pela abordagem sonora e a maneira a qual espelha conversas oníricas, como se Yorke, através de seus murmúrios e expressões a princípio sem sentido, emulasse a condição de um indivíduo que acaba de recuperar o poder de fala, tal como os espectros que rondam nossos sonhos. 

No limite da significação – sendo um projeto paralelo ao Radiohead –, o trabalho faz referência a uma longínqua e distinta fase do quinteto britânico – Hail to the Thief (2003) –, período em que o grupo teceu críticas diretas às ostensivas antidemocráticas do governo Bush no Iraque. Em A Light for Attracting Attention, essas observações seguem astutas e agressivas, cujo foco é ampliado a outras questões midiáticas, como os casos de assédio envolvendo Harvey Weinstein ou a condição alienante propiciada pelas novas redes

Mas, apesar dos dois nomes gigantescos que pertencem ao projeto serem possivelmente os membros mais relevantes culturalmente a estética do Radiohead, talvez a possibilidade de uma abordagem sonora distinta tenha surgido pela presença de Skinner, baterista do Sons Of Kemet, cuja forma de tocar – partindo os tempos entre caixa e hi-hat – cria a possibilidade de inovações sonoras expansivas através dos sintetizadores, guitarras e baixo. Em entrevista, Thom Yorke revelou que o nome do grupo reflete “o sorriso daquele que mente para você todos os dias”; portanto, não se engane: The Smile é um sorriso malicioso.

No indie rock, o quarteto britânico Porridge Radio lançou seu segundo álbum: Waterslide, Diving Board, Ladder To The Sky. No disco, há uma mistura de sintetizadores e guitarras que conjuram, em 13 canções, desejos ocultos, pessoas experimentando seus impulsos mais juvenis em corpos adultos e necessidades não notificadas. Sharon Van Etten também lançou um novo projeto, We’ve Been Going About This All Wrong, seu 6º disco e trabalho no qual discute questões de maternidade, solidão e a escuridão propiciada por um mundo individualizante. 

Os canadenses do Arcade Fire se debruçaram sobre inquietações similares, mas com um foco gradual na ansiedade contemporânea. Enquanto projetos anteriores do grupo debruçaram-se diante das questões acerca da alienação, WE dialoga com as causas finais daquilo que pareceu ser diagnosticado logo no início de carreira, em Funeral (2004). Essa insatisfação ganha forma em letras poderosas e clínicas, que absorvem como poucos a condição de estar vivo hoje. De forma ambiciosa, o disco recupera as marcas originais de Arcade Fire, depois do grupo brigar com elas durante anos. O projeto também marca a despedida de Will Butler, irmão do vocalista Win, que deixou o grupo oficialmente depois de ter finalizado WE

Florence + the Machine, a neta das bruxas que vocês não queimaram, está de volta e com um novo ritual; dessa vez, utilizando um fenômeno da Idade Média – no qual as pessoas dançavam até a morte – para revisitar seus traumas e ansiedades. Produzido pelo queridinho Jack Antonoff e Dave Bayley (Glass Animals), Dance Fever é um passeio pelas diferentes versões de Florence Welch dos últimos cinco discos, mas revisitando principalmente o registro de estreia Lungs, com direito as guitarras carregadas do debut e as letras impactantes, que neste álbum estão mais simbólicas que nunca, recompensando o ouvinte com fúria e caos lírico e harmoniosamente irretocável.

O quarto álbum da carreira de mxmtoon, rising – seu terceiro de estúdio –, também foi disponibilizado no quinto mês de 2022. Depois de explorar sua multiplicidade, o novo lançamento vem como um desabafo em que a temática principal é crescer. A artista, que completou 21 anos recentemente, fala sobre as inseguranças de transicionar para a vida adulta e faz um paralelo entre as músicas da adolescência e as do atual momento. 

Focada em revelar a ascendência e a estabilidade, mxmtoon traz no novo trabalho uma afirmação de sua maturidade artística. Abusando da musicalidade dos anos 2000, o disco traz, em suas 12 faixas, um aspecto repleto de saudosismo dos clássicos do indie pop e explora uma ritmicidade animada. Em suma, o trabalho abre portas para as novas possibilidades nas composições da cantora, além de celebrar a importância de mudar e estar sempre disposto a abraçar o novo.

Também abraçando o novo – e depois de uma espera dos fãs que perdurava quase três anos –, Sky Ferreira está de volta com seu característico pop confessional, preenchido por synths poderosos que pulsam atrás de seus fortes vocais e refletem, mais uma vez, sobre seu percurso na indústria, conturbado por conflitos com sua gravadora e com o star system. Mesmo que partilhando de uma sonoridade ainda remanescente de seu primeiro álbum, Don’t Forget emula uma transparência que soa quase nostálgica a quem acompanha a cantora por muito tempo, cujo efeito não é exatamente uma má estratégia para quem quer firmar novamente, depois de mais de seis anos, seu lugar no hall de cantoras que experimentam com as fórmulas do pop.

Aposta para o Grammy do ano que vem, o disco novo de Lamar poderá enfrentar os trabalhos de Adele, Silk Sonic, Harry Styles e Beyoncé pelo prêmio máximo da Academia (Foto: Top Dawg/Aftermath/Interscope Records)

Adentrando o mundo do rap, o gigante Kendrick Lamar lançou, na surdina, seu novo disco: Mr. Morale & The Big Steppers. Brigando de forma contundente com seu próprio passado, marcado pela violência a qual foi submetido e pelas escolhas que precisou fazer, o rapper faz uma ode à verdade e à representação, e parece deixar subentendido que a cena de rap contemporânea não está interessada nos ideais que deram origem ao gênero, pois vislumbram as possíveis reações dos fãs e não permitem ser verdadeiros. Essa potência talvez atinja um de seus ápices em We Cry Together, faixa na qual simula, durante toda a duração, uma discussão em alta voltagem com a atriz Taylour Page.

Na canção Mother I Sober, Lamar canta, em parceria com Beth Gibbons, do Portishead, sobre a dor da história de sua família, e desenrola lentamente os efeitos dos traumas. Diferente do resto das canções de Mr. Morale & The Big Steppers – e, até mesmo, do resto de sua carreira –, a faixa mostra um Lamar vulnerável, cantando lentamente, quase em sussurros, sob um piano e uma batida progressiva lenta, e nos seus momentos de silêncio Gibbons adentra, entoando: “Eu queria ser alguém/Qualquer um menos eu”

Ele abre seu coração – as dificuldades de ficar sóbrio, a violência familiar, a incapacidade de escapar da segregação racial –, e encapsula um momento chave de sua vida. Ao final, suas afirmações ficam mais contundentes, encerrando com Então eu liberto os corações cheios de ódio, mantenham nossos corpos sagrados/Conforme vou libertando todos vocês abusadores, isso é transformação. Seja qual for o seu problema, Kendrick Lamar quer que você fale sobre isso.

Depois do inegável sucesso de Malvadão 3, Xamã já tem sua nova aposta comercial: a música Dublê de Marido, com Gretchen protagonizando o clipe oficial (Foto: Bagua Records)

No rap nacional, Sobre Viver, o quinto álbum da carreira do rapper Criolo, chegou para escancarar, de forma poética e irreverente, o luto. Em 10 faixas, o cantor aborda a temática social e faz um resgate a urgência de resistir e trazer à tona as problemáticas de um cenário político e social tão perverso como o atual. De forma inovadora e necessária, Criolo faz uma desassociação com a influência pop, e sustenta o discurso tipicamente bem posicionado do rap

As letras passeiam pela gravidade da desigualdade social e trazem uma reflexão sobre a dor das mortes causadas pelo descaso. O luto referido em Sobre Viver tem origem na experiência do cantor com a morte da irmã por covid-19. Por essa razão, abriga um questionamento sobre responsabilidade e culpa. Em um momento marcado pelo desânimo de uma estrutura falha e carregada de injustiça, Sobre Viver é um grito por esperança e retomada de direitos.

Já o R&B viu o retorno das batidas diversas e instrumentais envolventes de Ella Mai com o seu segundo álbum, Heart On My Sleeve. Ao cantar sobre paixões e desilusões, a artista mostra como seus vocais potentes possuem uma delicadeza singular. Dylan Sinclair também está de volta após o lançamento de seu EP, Proverb, que lhe rendeu uma indicação ao prêmio Juno, agora com No Longer In The Suburbs. No extended play, o canadense canta sobre amor e sobre crescer nos subúrbios do Canadá, expressando uma experiência parecida com a de Flores em seu primeiro extended play. Em The Lives They Left, a cantora mexicana traz as suas reflexões e vivências como alguém que cresceu e viveu entre cidades na fronteira dos Estados Unidos com o México. O extended play apresenta músicas de caráter político – como Sangre –, e músicas de caráter nostálgico – como 915.

O tema central do gênero também apareceu: Pain, de Muni Long, é uma música que fala sobre a superação de um término de relacionamento, sendo o segundo single lançado após o álbum Public Displays Of Affection. De forma mais abstrata, UMI aparece em moonlit room falando sobre todo o ato de amar alguém que não é a melhor pessoa a se amar, marcando o terceiro e último single que precedeu o álbum Forest in the City. E por fim, depois de quase um ano do álbum Thru My Window, o trio estadunidense Your Grandparents também retornou, agora em parceria com a cantora Amindi, com a musicalidade cativante e nostálgica de Somebody Told Me.

Mas entre os lançamentos, o destaque foi mesmo de Ravyn Lanae. Numa estreia muito esperada, a artista de 23 anos apresenta uma brilhante ode à história recente do R&B ao longo de pelo menos três décadas. Assim, junto das demais movimentações recentes do gênero, é certo dizer que os anos 90 estão para o R&B assim como os anos 80 estão para o popMas a arquitetura sonora de HYPNOS também sabe apreciar suas referências atuais, então é comum encontrar, entre as 16 canções do disco, alguns toques da vanguarda de FKA twigs, do frescor de SZA e do lustre de Aaliyah. E ela não se restringe ao cenário norte-americando, contemplando a influência do gênero até o neo-soul britânico numa colaboração brilhante com Fousheé, que arremata o valor do disco com as produções de gênios do R&B como KAYTRANADA e parcerias com Smino e Mereba.

O ano de 2022 ainda promete muitos lançamentos memoráveis, e o Persona segue a todo vapor selecionando e preparando o que de melhor aconteceu no universo cultural. Nos despedindo do Nota Musical de Maio, deixamos nossa tradicional playlist, mas te aguardamos no Nota Musical de Junho, com as mil coisas invisíveis de Tim Bernardes, um CD surpresa do Champagne Papi e as super dores de Conan Gray. Até lá!


Texto: Bruno Andrade e Eduardo Rota Hilário

Pesquisa e Pauta: Enzo Caramori, Guilherme Veiga, Jamily Rigonatto, Laura Hirata-Vale, Nathália Tetzner, Raquel Dutra e Vitor Evangelista

Deixe uma resposta