Drácula: o horror de um clássico

Capa do livro Drácula de Bram Stoker pela editora Principis. Na imagem, aparecem representados em um tom de azul escuro: o castelo do Conde acima de um monte envolto por um grande portão e árvores tortuosas, na frente do portão está a sombra do próprio vampiro e de pequenos morcegos. Ao fundo a cor vermelho sangue toma conta do espaço do céu e o nome do livro e do autor aparecem estampados.
Exprimindo a atemporalidade da literatura gótica, Drácula de Bram Stoker é a prova de que existem clássicos que envelhecem como vinho (Foto: Editora Principis, com tradução de Karla Lima)

Jamily Rigonatto

“Quando o Conde viu meu rosto, os olhos dele brilharam com um tipo de fúria demoníaca, e de repente ele fez um movimento para agarrar meu pescoço. Eu me desviei, e a mão dele tocou a corrente onde estava o crucifixo. Aquilo provocou uma mudança instantânea, pois a fúria passou tão depressa que eu mal podia acreditar que tinha existido.”

Não há quem escute o nome Drácula e não reconheça a famosa representação vampiresca e suas lendas folclóricas. Ao longo dos anos, o Conde se consolidou como um personagem clássico dos gêneros de Terror e Horror e ganhou diversas releituras das mais variadas áreas, nas quais é descrito do grotesco ao carismático. A figura imponente criada por Bram Stoker no livro Drácula, de 1897, popularizou os vampiros no imaginário do público e alimentou mitos sobre o assunto. Hoje, a obra segue ganhando novas edições e sendo um dos textos mais apreciados pelos leitores do gênero. 

Fazendo da Inglaterra um cenário misterioso e cheio de um suspense encantador, Stoker nos leva a conhecer o vampiro em detalhes a partir de um conjunto muito plural de relatos retirados de documentos, diários, cartas e recortes jornalísticos atribuídos aos personagens do escrito. Jonathan Harker, um procurador de Exeter, é convidado a visitar o castelo de Drácula na Transilvânia, e, ao notar os comportamentos um tanto singulares que o cercam, o personagem expressa em seu diário uma experiência no mínimo perturbadora que o deixa a iminência da morte. 

A personalidade gentil e cordial encenada pelo Conde faz com que ele pareça uma companhia agradável e retarda as desconfianças sobre o mesmo, mas, em certo ponto, o personagem deixa escapar um comportamento animalizado e repulsivo, com capacidades sobrenaturais que culminam em eventos traumáticos. Mais tarde são acrescentadas ao texto as vozes de Mina Murray – futura esposa de Jonathan, que, enquanto espera notícias do amado, também testemunha situações macabras e curiosas – e Lucy Westenra, que se torna uma das vítimas dos ataques do Lorde Vampiro.

Foto de Bram Stoker. Imagem em preto em branco representando o autor de Drácula, nela aparece um homem branco de meia idade com cabelos curtos penteados e barba cheia e alinhada. O homem está sentado em uma cadeira com os dois braços apoiados, veste um terno de coloração escura sobreposto a uma camisa clara e uma gravata.
Bram Stoker, autor de Drácula (Foto: Wikimedia Commons)

O avanço de acontecimentos peculiares em Londres chegam até Lucy, que passa a se queixar de uma estranha letargia que a deixa pálida e sem forças – não demora muito para que ela precise de um médico, o que abre o arco para a entrada de outros personagens que se envolvem nesse grande mistério de dentes afiados. Logo, os sujeitos se juntam e Abraham van Helsing, John Seward, Arthur Holmwood e Quincey Morris assumem um papel de heroísmo marcante nos livros ingleses da época.

A partir disso, a narrativa assume um tom um tanto maniqueísta, que coloca em jogo contraposições entre virtude e pecado, puro e profano e outros aspectos de uma dualidade extrema, que sempre reafirmam Drácula como um ser amaldiçoado que personifica o mal. A religião se torna um tema relevante na história e se mostra tão poderosa que adota uma função bélica contra a entidade. 

Mesmo que a ideia de um ser maligno que dorme em um caixão e é capaz de sugar a vida das pessoas seja considerada fantástica, a maneira como a alternância dos pontos de vista é colocada na história acrescenta detalhes à trama que trazem um tom realista e autêntico aos acontecimentos mais absurdos. E ainda que o formato da escrita epistolar possa causar estranheza em um primeiro momento, a leitura facilmente se adapta à ausência de um narrador e consegue se tornar surpreendentemente fluida, dinâmica e envolvente.

Cena do filme Drácula de Bram Stoker de 1992. Na imagem estão o Conde Drácula interpretado por Gary Oldman, e a sua esquerda Jonathan Harker interpretado por Keanu Reeves. O vampiro tem a pele branca pálida, unhas compridas e cabelos brancos, veste uma camisa de cetim vermelha e segura um objeto pontiagudo próximo ao pescoço de Jonathan. Harker por sua vez veste uma camisa branca e um colete marrom desabotoado, tem pele branca e cabelos escuros.
Em 1992, Drácula ganhou a adaptação audiovisual “Drácula de Bram Stoker”, dirigida por Francis Coppola e estrelada por Gary Oldman (Foto: Columbia Pictures)

Os quatro homens se juntam aos recém-casados Jonathan e Mina Harker em uma busca incansável atrás dos rastros sangrentos de Drácula. Os seis somam seus escritos e tudo que presenciaram até o momento para que possam calcular e impedir os próximos passos, ou bater de asas, do vampiro. Em uma jornada incerta e enigmática, o grupo enfrenta o medo em sua forma mais pura e a minuciosidade na forma em que os sentimentos são descritos cria um cenário perfeitamente sombrio e assustador. 

As cenas ficam longe de serem brutais e o terror da obra – contrariando autores como Stephen King – se constrói em cima da expectativa, da tensão e do temor causados por alguém tão ubíquo quanto o Drácula – alguém que pode estar sob quaisquer formas ou espaços, alguém que pode estar bem mais perto do que imaginamos. Assim a narrativa se dá, e entre névoas inebriantes e lobos famintos, os personagens enfrentam o desconhecido de forma nobre e corajosa. Sem um final dramático ou reviravoltas, o romance consegue seu “felizes para sempre”

Drácula representa um debruçar completo sobre a imagem de um vampiro, dos dentes pontudos ao reflexo faltante do espelho, com um texto que conquista sem apelar para nada além de sensações tão bem escritas que se tornam vívidas. É o livro que todo amante de Terror ou pelo menos de mitologias precisa ter a oportunidade de contemplar. Aproveitando o mês, tenham um bom Halloween e não se esqueçam das suas flores de alho e seu crucifixo, afinal, nem todo morcego é tão inocente quanto parece. 

Um comentário em “Drácula: o horror de um clássico”

  1. Amei a experiência de ler esse livro e entender melhor taaantas referências e mídias sobre vampiros

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