Amantes Eternos: o vampirismo hipster de Jim Jarmusch

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Adam e Eve, os protagonistas

Matheus Fernandes

O vampirismo está intrinsecamente ligado à história do cinema, desde o Drácula impressionista de Murnau em Nosferatu, de 1922. Daí pra frente, nenhum outro personagem foi tema de tantos filmes, indo do essencial, em Vampyr, de Dreyer, o remake de Nosferatu, por Herzog, e o primeiro Drácula da série de interpretações de Cristopher Lee, ao ofensivamente ruim, em desastres como Dracula 3D, de Dario Argento.

Por várias décadas essas criaturas estiveram restritas basicamente a um personagem e um gênero, o terror, com alguns breves experimentos na comédia e quedas ao exploitation puro. Ainda assim, se desenvolveu uma série de abordagens cinematográficas alternativas, focando acima de tudo nos dramas internos dessa condição, com os vampiros não mais como vilões, e sim como protagonistas.

É criada a imagem de um vampiro outsider, um ser noturno atormentado pela imortalidade (“Entre os Imortais cada ato (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o fiel presságio de outros que no futuro o repetirão até a vertigem.”) e pela sede de sangue que o aliena da sociedade, representada como metáfora para outros desejos, como as drogas em The Addiction, de Abel Ferrara, e o interesse sexual reprimido, em Thirst, de Chan Wook Park. Essa estética é o centro de obras como Martin, do mestre dos zumbis George Romero, The Hunger, onde David Bowie é um vampiro, e o fenômeno sueco Deixe Ela Entrar. Até no mainstream esse arquétipo repercutiu, no blockbuster teen oitentista Garotos Perdidos e (por que não?) na saga Crepúsculo.

Em Amantes Eternos, esses (desgastados) personagens ficam sob a responsabilidade de Jim Jarmusch, cineasta da geração No Wave e um dos criadores do hipsterismo moderno no cinema com seus filmes independentes em preto-e-branco, repletos de músicos como John Lurie, Tom Waits e RZA.

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Estilo é tudo, mesmo para os imortais.

Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) são um casal de vampiros, casados há vários séculos. Ao mesmo tempo modernos e ancestrais, sua localização reflete isso: Adam vive em uma desolada Detroit pós-crise de 2008, que lembra a decadente Nova Iorque de Férias Permanentes, ou as gélidas paisagens industriais de Cleveland em Estranhos no Paraíso; Eve vive em uma Tânger onde a arquitetura milenar marroquina convive com cafés e smartphones. Apesar de tecnofóbicos, se comunicam por Skype e viajam em aviões.

Eve é forçada a visitar Adam, assolado pela depressão. Depois de séculos atuando na ciência e na literatura, Adam vive como um recluso rockstar, colecionando guitarras vintage enquanto contempla o suicídio em virtude da decadência dos humanos, capazes de transformar o Michigan Theater em estacionamentos.

Com o passar dos séculos até as atitudes mais básicas de um vampiro foram abandonadas. O sangue vem por meio de laboratórios e traficantes, e causa um efeito de prazer semelhante a heroína, ilustrado de maneira belíssima em espirais e câmeras lentas.

O casal passa as noites dirigindo pela cidade, fazendo picolés com sangue ou discutindo literatura, mantendo o aspecto conversacional, em cenas que são mais cotidianas do que representantes de uma narrativa. Até mesmo o romance tem um ritmo devagar. Se em outros filmes do diretor esse clima é criticado, depois de milênios de existência para esgotar as possibilidades, o tédio e o isolamento são compreensíveis.

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Os livros são de grande importância para Eve

Assim como nas outras obras de Jarmusch, as referências ocupam papel central na história. Eve, aficcionada por literatura, lê Graça Infinita, de David Foster Wallace, Orlando Furioso, de Ariosto e A Metamorfose. Adam tem uma parede repleta de quadros de suas inspirações, de Lord Byron, um dos pioneiros no vampirismo na literatura, aos músicos John Coltrane e Patti Smith. A ideia do diretor é a possibilidade do acúmulo infinito de referências culturais durante uma eternidade, em uma carta de amor à suas próprias inspirações.

O hipnótico score, vencedor do Cannes para a categoria, é composto pelo próprio Jarmusch, com sua banda de rock SQÜRL, em parceria com o minimalista Jozef van Wissem. O resultado é uma série de drones exóticos e sensuais, baseados em alaúde, que densificam a atmosfera do filme, com destaque para Funnel of Love, cover psicodélico do hit rockabilly de Wanda Jackson.

Com um ritmo extremamente lento, Amantes Eternos afasta os menos familiarizados, com a falsa impressão um triunfo da forma sobre o conteúdo . Ainda assim, para quem se deixa seduzir pelo ambiente cuidadosamente construído pela fotografia, pela trilha sonora e pela cativante performance de Tilda Swinton, o filme prova porque os vampiros sempre serão a criatura mais cool da ficção.

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