The Owl House escancara o dilema da representatividade LGBTQIA+ na Disney

Cena da série The Owl House. Amity, adolescente de cabelo lilás e curto, beija a boca de Luz, adolescente de cabelo castanho e curto. Luz está com seus olhos abertos e apresenta expressão de surpresa. Amity veste um vestido preto e calça vinho. Luz veste uma jaqueta marrom e bege e uma calça bege e tem uma mochila azul nas costas. Ao fundo vemos uma porta de sacada rodeada por galhos verdes e flores rosas.
The Owl House segue padrões bastante similares a Gravity Falls em sua construção e estética (Foto: Disney)

Marina Llata

The Owl House (A Casa Coruja) é uma série animada criada por Dana Terrace. Lançada em janeiro de 2020, acompanha a trajetória de Luz Noceda (Sarah-Nicole Robles), uma adolescente que tem dificuldade de se encaixar e fazer amigos e, ao encontrar um portal para as Ilhas Escaldadas, localizadas em uma dimensão habitada por bruxas e demônios, escolhe passar um tempo nesse mundo fantástico ao invés de ir ao Acampamento de Realidade no verão. Lá, ela encontra Eda (Wendie Malick), uma bruxa rebelde, e seu amigo King (Alex Hirsch), um demônio muito fofo, sendo acolhida pelos dois e se tornando aprendiz de Eda. 

O estilo do desenho é bastante único e pode-se arriscar dizer que inédito na Disney, com ênfase em elementos obscuros e de horror misturados a alguns outros fofos em contraposição. Apesar de uma animação e backgrounds bem detalhados, Terrace disse em entrevista à Collider que, inicialmente, o design dos personagens e artes conceituais eram mais minuciosos, o que não foi possível de ser mantido devido a uma questão prática de produção. Além disso, a criadora e showrunner já comentou em diversas outras entrevistas e também em sua conta no Twitter sobre como a ideia inicial para o tom e estilo da série era mais gráfica e obscura, mas teve que ser modificada para se enquadrar melhor na marca e seu público.

The Owl House consegue ser profunda não apenas no quesito visual, mas também em seus tópicos e temas abordados, tratando de questões como não se sentir pertencente, algo que se mostra presente na vida de Luz até que ela encontra as Ilhas Escaldadas. Também são abordados problemas familiares, mostrados no caso de Amity (Mae Whitman), com sua mãe manipuladora e narcisista, o processo de auto descoberta de King, o empoderamento de Willow (Tati Gabrielle), que antes se sentia inferior e fraca, o desenvolvimento emocional de Hunter (Zeno Robinson), que passa a confiar em outras pessoas. Além disso, a série aborda a questão da ansiedade, mostrada de forma metafórica em um episódio focado no personagem Gus (Issac Ryan Brown), e ainda o totalitarismo, representado pelo tirano Belos (Matthew Rhys), contra quem Eda é rebelde.

Ilustração promocional da série The Owl House. Luz, adolescente de cabelo curto e castanho, vestindo uma capa longa e roxa, caminha olhando para trás com feição preocupada e segura um cajado de coruja. King, ser fictício que se assemelha a um cachorro com um crânio no lugar da cabeça está no ombro de Luz também com feição preocupada e olhando para trás. Eda, mulher de cabelo volumoso, longo e branco, vestindo um vestido vermelho com uma jóia preta anexada no peito, caminha ao lado de Luz e King. Eda usa sua mão direita para segurar seu braço esquerdo, que está deformado e com penas. A iluminação é avermelhada e escura, com uma leve névoa. Ao fundo vemos figuras petrificadas e algumas pessoas assustadas e correndo. Vemos uma figura com chifres e uma capa em cima de uma ponte e mais atrás da figura vemos uma caveira vermelha gigante.
Dana Terrace tem um estilo artístico horrorífico e detalhista, muito de The Owl House foi inspirado em obras de Hieronymus Bosch, pintor dos séculos XV e XVI (Foto: Disney)

Um dos aspectos que ganhou notoriedade a respeito da série é sua ampla representatividade, que inclusive é inovadora se pensarmos nos padrões da Disney. A série conta com uma protagonista bissexual e retrata abertamente o primeiro relacionamento homoafetivo em um desenho animado da empresa. Além de contar com ume personagem não-binarie, e diversidade racial, com personagens diversos culturalmente e de distintos tipos físicos.

No entanto, recentemente uma pauta constante no fandom tem sido o famigerado cancelamento de The Owl House e quais seriam seus motivos. Quando finalmente pudemos ver avanços consideráveis a respeito de inclusão e diversidade na indústria de animação por parte da Disney, a marca volta a dar passos para trás? Em outubro de 2021, Dana Terrace esclareceu que não acredita que o motivo do cancelamento tenha sido a abordagem da temática LGBTQIA+. “Por mais que nós tenhamos tido problemas em ir ao ar em alguns países, eu não vou supor má fé das pessoas com quem eu trabalho em LA”, disse a criadora em entrevista à DigitalSpy

Cena da série The Owl House. Na cena vemos Raine, pessoa negra, de cabelo azulado e curto. Raine usa óculos redondos, um brinco em sua orelha direita e uma capa branca. Raine sorri olhando para baixo e segura um objeto redondo e vermelho.
Raine Whispers é ê primeire personagem trans (não-binarie) da Disney [Foto: Disney]
Ela afirma que a decisão da produtora também não foi necessariamente por causa de orçamento ou avaliações da crítica, mas que não lhe foi dada ao menos a opção de desenvolver uma quarta temporada pós-pandemia ou sequer foi permitida participar das reuniões em que foram tomadas as decisões. “Até mesmo os três episódios de consolo da terceira temporada foram difíceis, aparentemente”, disse Dana. 

É visível a tentativa de Terrace de amenizar os boatos sobre uma Disney queerfóbica, afinal ela tem um contrato vigente com a empresa, mas também é visível sua frustração. E ela não é a primeira a passar por essa situação de censura vinda da marca, Alex Hirsch foi impedido de representar em tela um casal gay em Gravity Falls, ao passo que Daron Nefcy teve que manter um casal sáfico subentendido e há evidências de que ela não pôde colocar em Star vs. As Forças do Mal uma personagem transgênero. Os três criadores já se pronunciaram algumas vezes em suas redes sociais a respeito da censura que produtores executivos da empresa impõem. 

Tweet de Alex Hirsch. O tweet diz "Disney privately: cut the gay scene! We might lose precious pennies from Russia and China! Disney publicly: [emoji de palhaço] Honk honk we put rainbow bumper sticker on Lightning McQueen today CONSUME OUR PRODUCTS TEENS". Tradução: “Disney em particular: cortem a cena gay! Nós podemos perder moedas preciosas da Rússia & China! Disney publicamente: Honk honk nós colocamos um adesivo de arco-íris no Relâmpago McQueen hoje CONSUMAM NOSSOS PRODUTOS JOVENS”
“Disney em particular: cortem a cena gay! Nós podemos perder moedas preciosas da Rússia & China! Disney publicamente: Honk honk nós colocamos um adesivo de arco-íris no Relâmpago McQueen hoje CONSUMAM NOSSOS PRODUTOS JOVENS” (Foto: @_AlexHirsch/Twitter)
Desde 2012, ano de lançamento de Gravity Falls, muitas coisas mudaram e o cenário atual nem se compara com o de antes, considerando o que foi permitido ser incluído em The Owl House, no entanto a representatividade LGBTQIA+ continua em falta nas mídias, principalmente quando se trata daquelas direcionadas ao público infantil ou infanto-juvenil. Infelizmente, os fãs, assim como a equipe de Dana, terão que lidar com o fato de que teremos uma terceira (e última) temporada reduzida a apenas três episódios especiais e esperar que a representatividade e a diversidade cresçam cada vez mais, alcançando espaços que hoje não é capaz.

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