Carolina Maria de Jesus e o Quarto de despejo persistem

Montagem com a capa do livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada. Ao centro, em frente a um fundo amarelo, vemos a capa azul clara. No topo, vemos grafismos em branco, que aparentam imitar a silhueta das casas de uma favela. Ao centro, vemos a palavra “QUARTO” e, abaixo, “de DESPEJO”, em branco, uma letra sem serifa, estilizada. Logo abaixo, vemos as palavras “Diário de uma favelada”, em branco. Abaixo, vemos as palavras “CAROLINA MARIA DE JESUS”, em caixa alta, em uma fonte serifada e branca. Na parte inferior central, vemos o logo da editora Ática e, logo abaixo, as palavras “editora ática”, em caixa baixa e em branco.
Quarto de despejo foi o livro debatido em Fevereiro pelo Clube do Livro do Persona; hoje, 14 de março, sua autora completaria 108 anos (Foto: Editoria Ática)

Vitória Lopes Gomez

Das confissões mais íntimas de Carolina Maria de Jesus, surge Quarto de despejo. Mesmo com mais de 1 milhão de cópias vendidas – 10 mil só na primeira semana -, tendo ganhado traduções para 13 idiomas e sendo comercializado em mais de 40 países, o nome da autora não significava tanto, à época, quanto agora – que ainda é pouquíssimo, se comparado aos devidos créditos merecidos. Mulher negra, mãe solo, moradora da favela, antes de ter seus diários publicados, a luta do dia a dia de Carolina era por comida. Seus escritos sempre foram importantes para ela, mas nunca mais do que os filhos e o árduo trabalho diário, o único meio de alimentá-los.

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Estante do Persona – Fevereiro de 2022

Arte retangular de cor amarela. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris amarela. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “Quarto de despejo”. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘fevereiro de 2022'.
Conversando com o Mês da Mulher, a quinta edição do Estante do Persona foi ambientada pela leitura do Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus (Foto: Reprodução/Arte: Vitor Tenca/Texto de Abertura: Vitória Lopes Gomez)

Fevereiro oficializou uma tradição do Clube do Livro: se no começo não passava de um mero acaso, cinco meses depois, os membros da Editoria não conseguiram mais negar que são as autoras que dominam nossas leituras em grupo. Com o Mês da Mulher em mente, a decisão pela obra da segunda rodada do ano não poderia ser diferente. A escolhida? Carolina Maria de Jesus e seu impactante Quarto de despejo.

Contemplando, também, o mês de aniversário da escritora, o Clube mergulhou em sua primeira história não-ficcional, e uma das produções mais doloridas lidas em conjunto até então. Publicado em 1960, o livro foi um achado do jornalista Audálio Dantas, que se deparou com Carolina e seus diários ao reportar o cotidiano da favela do Canindé, na cidade de São Paulo. Por sorte, Dantas reconheceu o poder daquela documentação e revelou ao mundo o simples, mas potente, dom da autora de contar sua história. Da vida de Carolina Maria de Jesus, nasceu Quarto de despejo: Diário de uma favelada.

No encontro único de Fevereiro, os membros do projeto literário do Persona se chocaram com os relatos crus e cruéis da obra. Também, exercitaram seu entendimento das vivências do outro, investigaram o título do trabalho, se impressionaram com a figura articulada e à frente de seu tempo que foi Carolina, além de discutirem o valor das narrativas não-ficcionais. De acordo, o Clube compreende que a importância de uma história verídica é documentar e fazer entender a realidade de quem escreve.

Depois de se surpreenderem com as similaridades das Pessoas normais com nosso mundo, os membros mergulharam na vida real, de fato. Firme e forte em suas leituras, renovadas no mês dedicado a Quarto de despejo, o Persona continua empenhado em expandir seu escopo de gêneros e obras. 

Nisso, o projeto aproveitou o gás dos encontros mensais e emplacou a renovação da colaboração com a Companhia das Letras: agora, o projeto ganha o crachá de Parceria Fixa. Enquanto os próximos conteúdos do mundo literário não chegam, o Estante do Persona segue com seus comentários e com as Dicas do Mês, de obras escritas exclusivamente por autoras, em homenagem ao Mês da Mulher.

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Para Sally Rooney, o mundo é repleto de Pessoas normais

Arte com fundo roxo. No canto superior esquerdo, vemos o olho do Persona com a íris da mesma cor do fundo. Ao centro, vemos a capa do livro Pessoas normais, e uma borda laranja do lado direito da capa, formando uma sombra. No canto inferior direito vemos escrito Clube do Livro Persona
O Clube do Livro do Persona começou 2022 acompanhado por Pessoas normais, romance escrito por Sally Rooney e traduzido por Débora Landsberg (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Júlia Trevisan)

Vitor Evangelista

Na escola, no interior da Irlanda, Connell e Marianne fingem não se conhecer. Orbitando em mundos diferentes, os estudantes do Ensino Médio acabam se esbarrando quando ele busca a mãe, que trabalha como faxineira na casa da garota. As rápidas trocas de olhares acabam se transformando em pequenas conversas sobre os livros e os gostos pessoais um do outro. O problema é que, em público, Connell invisibiliza Marianne, por vergonha, por culpa, por egoísmo. Mas está tudo bem, afinal, eles não passam de pessoas normais.

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De 1922 para 2022: o que é ser Moderno no Brasil?

A Semana de Arte Moderna terminou ontem, mas as perguntas que o movimento cultural brasileiro deixou são para mais de 100 anos

Pintura "Operários" de Tarsila do Amaral. A imagem é composta por vários rostos de pessoas das mais diversas feições e tons de pele. Elas se organizam na diagonal da imagem, de forma crescente, da esquerda para direita, uma em cima da outra. Ao fundo, existe o desenho de uma indústria e o céu é azul.
“Que esperem o centenário. Se no ano de 2022 ainda se lembrarem disso, então sim.”, respondeu Manuel Bandeira quando questionado sobre a necessidade de relembrar a Semana de Arte Moderna em 1952 (Foto: Reprodução)

Raquel Dutra

18 de fevereiro de 1922. As cortinas do salão de concertos já se fecharam, as luzes do saguão de exposições já se apagaram, e as portas do Theatro Municipal de São Paulo já se trancaram. Lá fora, pelas ruas da cidade, corre uma promessa de novos ares, criada pelos artistas que estiveram reunidos durante os últimos cinco dias no centro cultural mais tradicional da capital paulista. A ideia é transformar a Arte nacional através do que existe no nosso próprio país, buscando, assim, uma expressão artística 100% brasileira. “Genial e revolucionário!” exclama quem cruza com essa energia pelo caminho, porque ali, alguém testemunhou o início do modernismo no Brasil. É o primeiro dia pós-Semana de Arte Moderna, e sua força tem o potencial de influenciar todo o resto do país a procurar pelas suas raízes e colocá-las para fora, sem depender nunca mais de referências externas. Pelo menos, é o que eles dizem.

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Manuel Bandeira não engole sapos diante do academicismo literário

Quatro anos antes da Semana de 1922, o poeta brasileiro já repensava a Literatura nacional por meio de características modernistas

Pintura da artista brasileira Tarsila do Amaral. Imagem retangular horizontal. Na parte superior, vemos um céu azulado e alguns cactos verdes. Uma espécie de caverna ocupa quase toda a imagem. Por meio dessa cavidade rochosa, observamos um fundo bege, uma espécie de lago e, mais à direita, um sapo verde. A pintura inteira apresenta características cubistas.
Publicado no livro Carnaval, de 1919, o poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, antecipou as características da Literatura criada pela primeira geração modernista brasileira; na imagem, vemos a pintura O Sapo, de 1928, feita por Tarsila do Amaral (Foto: Romulo Fialdini)

Eduardo Rota Hilário

Entre Baleias e burrinhos pedreses, há um bom tempo que a Literatura brasileira dá vida aos bichos mais singulares do cenário criativo nacional. Sendo alguns mais conhecidos do que outros, em uma possível lista das mais memoráveis dessas criaturas, os sapos de Manuel Bandeira com certeza garantiriam uma posição e reconhecimento bastante nobres e justos. Criados pelo artista recifense em poema homônimo, de 1918, Os Sapos só foram publicados em 1919, no livro Carnaval – mas foi na Semana de Arte Moderna de 1922 que conquistaram de fato uma grande projeção.

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Estante do Persona – Janeiro de 2022

Arte retangular de fundo lilás. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante'. na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “pessoas normais”. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco 'janeiro de 2022'
O Estante de Persona abre 2022 ao lado de Sally Rooney e sua dupla de Pessoas normais (Foto: Reprodução/Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Vitor Evangelista)

“Quem é que quer flores depois de morto?”

– J.D. Salinger

Começando 2022 com o pé direito, a primeira leitura do nosso Clube do Livro se materializou nos lamentos e nos sonhos que a irlandesa Sally Rooney colapsou e esmigalhou em Pessoas normais. Sucesso de crítica, público e aclamado pela voracidade dos acontecimentos e sentimentos escritos, a obra ganhou uma adaptação em formato de minissérie, pelo Hulu, alavancando a carreira de suas estrelas Daisy Edgar-Jones e Paul Mescal.

Sem muito acontecendo no mundo literário nesse começo de ciclo, o Clube do Livro do Persona discutiu as similaridades e as normalidades do livro com o mundo real. Encontrando poesia na ordinariedade que Roony imprime em seus personagens, relacionáveis à maioria dos jovens adultos que saíram da escola bambeando e chegaram à universidade perdidos da cabeça.

Pela visão de Marianne e Connell, nossa leitura foi guiada, com corações pulsantes doloridos e uma porção de opiniões contundentes sobre a conduta dos protagonistas. O resultado dessa experiência você encontra abaixo, com breves comentários sobre o Livro do Mês (que, assim como nossa citação de abertura, bebe da fonte criativa de J.D. Salinger), além das imperdíveis Dicas do Mês, remexendo os cantos da Literatura e chegando com tudo, para quem procura turbinar a meta de leitura para o ano que chegou.

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Os Melhores Livros de 2021

Entre o melhor da Literatura em 2021, tivemos o best-seller nacional Enquanto eu não te encontro, a tradução da obra que impulsionou o Nobel de Literatura de Olga Tokarczuk e a estreia estrondosa de Raven Leilani em Luxúria (GIF: Reprodução/Arte: Ana Clara Abbate/Texto de Abertura: Bruno Andrade e Vitor Evangelista)

A editoria de Literatura foi uma das áreas que mais cresceu no Persona em 2021. Grande parte dessa experiência foi graças à parceria com a editora Companhia das Letras, que nos permitiu o acesso a diversos lançamentos e oportunidades. A melhor parte disso foi para o nosso próprio conteúdo: participamos de um evento exclusivo com o escritor Mia Couto, antes mesmo de O Mapeador de Ausências ser lançado oficialmente, e ouvimos sobre suas obras e influências. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Prêmio Jabuti e o Nobel de Literatura, e demos início ao nosso Clube de Leitura e ao Estante do Persona, trazendo, além da leitura do mês, indicações literárias das mais variadas para compor nossas recomendações mensais. Agora, fazendo um balanço do que foi o ano passado para o Persona – e para a Literatura de vários cantos do mundo  –, chegamos com Os Melhores Livros de 2021.

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A filha perdida de Elena Ferrante pode ser você

Imagem retangular de fundo laranja. Ao centro, foi adicionada a capa do livro A Filha Perdida, um selo escrito Clube do Livro Persona no canto direito inferior e o logo do Persona no canto esquerdo superior. A capa é repleta de casas de telhado marrom avermelhado, no estilo mediterrâneo. É possível ver o céu e o mar azuis e uma torre verde. Está escrito, em letras brancas, "A FILHA PERDIDA" e "ELENA FERRANTE". Na parte inferior central, há o selo da Intrínseca.
Recentemente adaptado para o cinema, A filha perdida foi a escolha para o mês de dezembro de 2021 no Clube do Livro do Persona (Foto: Intrínseca/Arte: Jho Brunhara)

Raquel Dutra

As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender“, define muito bem Elena Ferrante no que vem a ser o prólogo de seu terceiro romance. Lançado no Brasil em 2016 pela editora Intrínseca, A filha perdida traz o pseudônimo italiano, aclamado por suas  personagens femininas e reverenciado por sua honestidade cortante, numa proposta de encarar com honestidade o que talvez seja um dos principais aspectos da experiência da mulher na sociedade – e também um dos assuntos mais intocáveis desde o início dos tempos -: a maternidade. 

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O terror vem da terra em Gótico Mexicano

Recorte da capa de Gótico Mexicano. Vemos uma mulher com a pele escura bronzeada do busto até a região do nariz. Seu cabelo é curto e preto e ela usa um vestido vinho com os ombros de fora. O fundo é verde com estampas florais em tom mais escuro.
Gótico Mexicano é o primeiro livro de Silvia Moreno-Garcia a ser traduzido no Brasil (Foto: DarkSide Books)

Caroline Campos

O mundo natural pode ser palco de horrores muito mais tangíveis do que qualquer assombração maligna que os Warren seriam capazes de oferecer. Apesar da natureza não poder ser medida com nossas próprias réguas morais, é impossível não reparar na peculiaridade e na diversidade das interações entre animais, plantas, fungos e outros organismos vivos que habitam os confins do planeta Terra – fêmeas devoram machos, vespas depositam seus ovos dentro do corpo de um amigo inseto desavisado, baratas são comidas vivas por vespas-esmeralda. E é partir dessa loucura ecológica que Silvia Moreno-Garcia revira a terra para dar vida ao seu Gótico Mexicano, lançado pela DarkSide Books em 2021.

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Estante do Persona – Dezembro de 2021

A terceira edição do Estante do Persona foi orientada pela leitura coletiva de A filha perdida, drama sobre maternidade que leva a assinatura misteriosa de Elena Ferrante (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de Abertura: Raquel Dutra)

“Contamos histórias a nós mesmos a fim de viver.”

– Joan Didion

Pois é, 2021 chegou ao fim. Depois de 12 meses envolto em cada movimento do universo cultural, o Persona inicia as despedidas do ano ao pé de sua Estante e conclui a terceira edição de seu Clube do Livro. Este que, no mês de dezembro, teve a oportunidade de conhecer a Literatura de uma das autoras mais relevantes da atualidade, e de admirar o legado deixado por duas das mais importantes escritoras dos últimos tempos. É que em meio à leitura coletiva de A filha perdida e ao mistério aclamado que existe ao redor do nome best-seller de Elena Ferrante, o Persona se juntou ao resto do mundo para a despedida de bell hooks e Joan Didion

No dia 15, eternizamos bell hooks como a artista, professora, teórica, pesquisadora e escritora, que dedicou mais de 50 anos de sua vida a estudos e políticas interseccionais sobre educação, gênero, raça, classe e economia. Referência do feminismo negro, ativista antirracista e estudiosa do amor, o pseudônimo de Gloria Jean Watkins nasceu no interior de um Estados Unidos segregacionista e morreu num planeta que ainda tem muito o que superar, mas que, através de sua existência, tem muito mais conhecimento sobre como fará suas revoluções.

Já no dia 23, o mesmo era lembrado sobre Joan Didion, quando reconhecemos a necessidade de compreender o mundo em que vivemos e os humanos que o habitam. Ao usar seu olhar e suas palavras para registrar e interpretar as transformações culturais e políticas da sociedade norte-americana na segunda metade do século XX, a californiana construiu uma carreira de mais de 60 anos, que entre muitos ensaios, alguns romances e outros roteiros, transformou o Jornalismo e a Literatura para todo o sempre.

Assim, o contexto literário de dezembro se tornou grandioso, mas Elena Ferrante deu conta de o acompanhar. No embalo do lançamento da adaptação cinematográfica – já muito celebrada pela direção da estreante Maggie Gyllenhaal, que chegou à Netflix no último dia do mês -, o Clube do Livro do Persona decidiu mergulhar nas praias do sul da Itália junto de Leda (vivida no Cinema por Olivia Colman) e nos dramas profundos de A filha perdida.

Para o último mês de 2021, reverenciamos o trabalho de mulheres que tanto fizeram pelo nosso passado, presente e futuro, e introduzimos a edição de dezembro do Estante do Persona. Entre as indicações literárias da nossa Editoria e o comentário sobre a leitura do mês, vibra a honestidade visceral de uma história cuja autora tem coragem de dizer o que nós não temos – em perfeita harmonia com o poder revolucionário das vozes que vieram antes dela.

“O coração da justiça é dizer a verdade, vermos a nós mesmos e ao mundo como somos, em vez de como gostaríamos que fôssemos.”

– bell hooks

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