Medúlla: 15 anos de um álbum estranho, arcaico e atemporal

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Humberto Lopes

Medúlla é o termo médico para a medula óssea em latim. Porém, a origem do nome do quinto álbum de estúdio da cantora e compositora islandesa Björk vai muito além da palavra de origem romana. O significado no título da obra está no chegar à essência de algo, alcançar o início da humanidade, abandonar a civilização e voltar ao tempo antes de tudo acontecer.

Assim, no dia 31 de agosto de 2004, foi concebido o sucessor de Vespertine (2001) e do clássico Homogenic (1997), discos que incorporam a eletrônica e batidas inigualáveis, além de trazer a sonoridade inovadora e vanguardista da artista.

Inez + Vinoodh – Medúlla (Foto: Reprodução)

Médulla é um trabalho visceral que veio para quebrar o padrão dos álbuns anteriores da cantora, um disco que é propositalmente orgânico e cru, quase difícil de escutar, mas também inconfundível. Com a voz como ponto central das músicas cantadas em acapella, Björk aproveita o máximo desta ferramenta que fez dela uma artista rara, com um timbre único e original.

Do seu lançamento até hoje existe um grande estranhamento em relação ao caráter inventivo do álbum, quase não contando com a presença de instrumentos e outros componentes musicais, tornando este um trabalho totalmente ousado, até mesmo para Björk. 

A composição do disco começou quando a artista estava grávida de oito meses de Ísadóra Bjarkardóttir Barney, sua segunda filha. No meio do processo de produção, a islandesa não estava contente com a bateria e os arranjos carregados de instrumentos. Segundo a cantora, as canções estavam uma bagunça; assim os instrumentos e recursos sonoros foram retirados, e a voz se tornou a alma e corpo do Medúlla.

Inez + Vinoodh – Medúlla (Foto: Reprodução)

As texturas e timbres das músicas encantam pelas emulações vocais criadas por Björk e os colaboradores do disco, em especial na participação do cantor americano Mike Patton, dos beatboxers Rahzel e Dokaka e da cantora difônica, do inglês throat singer, Tanya Tagaq. Há também a exuberante presença dos corais londrinos e islandeses, que estão presentes em quase todas as faixas.

Para entender melhor sobre a produção do Medúlla, vale assistir ao documentário The Inner or Deep Part of an Animal or Plant Structure (2004), que acompanha a produção e gravação do disco, trazendo um pouco do trabalho de cada colaborador e a visão da artista sobre a obra.

Apesar de não ter colaborações brasileiras neste álbum, uma parte do universo do Medúlla foi criada no Estúdio Ilha Dos Sapos, na Bahia, local onde foi gravada a faixa Mouth’s Cradle, que conta com a participação dos grupos de percussionistas Ilê Aiyê e Cortejo Afro. A música foi descartada quando Björk decidiu tirar os instrumentos musicais do trabalho, mas depois ela reapareceu no B-Side Who is It?

Sobre o descarte da música, ela explica que sentiu um peso na consciência, por parecer uma atitude óbvia de uma turista. “Eu não queria parecer colonialista. Meu cérebro diz não, mas meu coração diz sim para essa música”, contou ao jornalista da revista The New Yorker, que a acompanhou durante a viagem no Brasil no Carnaval de Salvador.

O universo de Médulla rendeu quatro singles, Oceania, Whos is It?, Where Is the Line e Triumph of a Heart, mas foram poucas performances ao vivo, visto que seria difícil tocar as músicas nos shows usando todas as nuances e arranjos vocais das músicas.

Ainda assim, é possível ver a performance apresentada com exclusividade na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, na Grécia.

Com as gravações espalhadas pelo mundo, o disco exibe os diversos lados da artista, seja pelos versos que falam do lado político de Björk, que em alguns momentos da produção vivia em Nova Iorque, e discute em canções como Submarine o atentado terrorista de 11 de setembro e o nacionalismo exacerbado norte-americano, ou em outras faixas que discutem questões como a morte, existencialismo e romantismo.

Medúlla é um álbum complexo, que envelheceu bem e ainda está à frente de seu tempo. Um trabalho que consegue ser atemporal e de uma ótima maneira, arcaico, se encaixando no mundo como um desafio e se passando como um dos trabalhos mais genuínos da artista, seja em 2004, 2019 ou no futuro.

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