Liga da Justiça carece de traços autorais e cai no ordinário

Filme relega a visão de Zack Snyder do Universo DC, mas tampouco é atraente como obra cinematográfica.

Lucas Marques

Dentre tantos defeitos que o primeiro longa-metragem da Liga da Justiça poderia ter, ele possui o pior: ser esquecível. Não há nada mais triste do que presenciar filmes eventos exorbitantemente caros serem tímidos e não despertarem fortes emoções. Também dirigido por Zack Snyder, o antecessor Batman v Superman é uma das obras mais esquizofrênicas que o mainstream já viu – objetivamente pior que Liga da Justiça -, mas ao menos se parece com um filme caro, capaz de gerar amor e ódio. Até hoje as pessoas discutem BvS. De Liga da Justiça não podemos esperar o mesmo.

A essência ordinária do filme – aquilo que pode ser um bom ou ruim, mas nada além disso – já está em sua premissa. O vilão da história é o pouco conhecido – até mesmo nos gibis – Lobo da Estepe, um general subordinado do maior vilão da DC Comics, Darkseid. O antagonista aproveitou a ausência do Superman para resgatar as três partes da caixa-materna, um dispositivo capaz de instaurar o inferno de Darkseid na Terra. Sem o maior super-herói do planeta, Batman precisa recrutar mais quatro heróis para deter a ameaça: Mulher-Maravilha, Flash, Ciborgue e Aquaman.

Antes de entrar no cinema é possível imaginar a “grande” ameaça de um subordinado aos maiores heróis da Terra e saber que tudo vai acabar bem. Em uma analogia com videogames, é como os subchefes antes de chefões. Dos piores ainda: daqueles que voltam na próxima fase como inimigos comuns.

Falando em videogames, o filme abusa de computação gráfica. Lobo da Estepe tem feições e proporções de humanos, mas os blockbuster tem uma predileção por modelos tridimensionais.

Se já como ideia Lobo da Estepe apresenta pouco perigo, em execução se torna mais inofensivo: as três principais batalhas do filme são em áreas inabitadas, com alguns poucos reféns. Uma resposta aos filmes anteriores de Snyder, com batalhas de grandes proporções, mortes e prejuízos incalculáveis. Homem de Aço (2013) e BvS (2016) são criticados por deturbarem a essência de seus super-heróis, o que é verdade. Batman mata com armas de fogo, coisa que jurou nunca fazer nos quadrinhos. Superman é irresponsável a ponto de destruir Metrópoles e quebrar pescoços de inimigos. Mas esses filmes têm a mão de Snyder, por mais caótica que ela possa ser. Brincadeiras à parte, Liga da Justiça, com seu covarde denominador comum, tem a mão do mercado.

Boa parte do que é legal em acompanhar histórias em quadrinhos da DC e da Marvel é saber que existe um autor e um desenhista por trás, que trazem suas identidades artísticas para a narrativa. Existe sim uma espécie de “mitologia dos super-heróis”, a estranha manifestação de mitos humanos antigos, agora no culto de deuses superpoderosos de trajes colados. Mas essas mitologias não existem por si só, não há um motor universal para criar histórias de super-heróis. A graça é presenciar como cada autor empresta sua visão ao mito.

Gostando ou não, Snyder era um autor no seu mundo de teorias da conspiração e destinos de pessoas comuns na mão de heróis e vilões psicóticos. Algo como um Mark Miller ou Jeph Loeb nos quadrinhos, nos melhores e piores momentos. Liga da Justiça é assinado por Snyder, mas de nada se assemelha às outras películas dele. Sabemos que Joss Whedon, de Vingadores, foi chamado para escrever o roteiro e compartilhar a direção. O resultado se assemelha a histórias de quadrinhos descartáveis, que não “desrespeitam” nenhuma preconcepção do leitor, mas acabam sendo jogadas numa pilha de lado. Eventualmente acabam encalhadas em algum sebo.

Um dos maiores problemas de Liga da Justiça é que seu universo parece vazio. Todas as lutas acontecem em lugares isolados. Há poucas interações com os seres humanos comuns.

Para não dizer o contrário, há elementos interessantes no filme, que podem, inclusive, ser utilizados nos próximos longas. Ezra Miller combina como um Flash inexperiente e engraçado. Algumas cenas, principalmente do Superman, nos lembram os prazeres infantis dos quadrinhos mais antigos. Porém um filme não vive de pontos e o todo de Liga da Justiça carece de substância.

Parte da ausência de expressão do filme está no roteiro. São fragmentos da estrutura básica de estado inicial perturbado por uma ameaça exterior, seguido pelo reconhecimento da força interna para superá-la e a mudança final da personagem. O filme se preocupa em resolver os arcos individuais da forma mais rápida possível para se focar na ameaça final. Colocados em sequência e com pouca alternância, essas histórias perdem o seu peso, fazendo as duas horas de filme parecer bem menos. Se normalmente é algo bom o filme passar sem você mesmo perceber, alguns como Liga da Justiça passam sem ter algo a mais para ser captado.

Se você considerar que o objetivo de Liga da Justiça é apagar a identidade de Snyder do universo DC nos cinemas, pode se dizer que o filme cumpriu a meta. Mas quero acreditar que uma obra se propõe a mais do que isso. Estamos atolados de filmes caros inexpressivos e o público às vezes mostra a insatisfação: apesar do recorde brasileiro, o filme vai mal nas bilheterias dos EUA. Na busca por restaurar a “essência” dos super-heróis, Liga da Justiça opta pelos caminhos mais insossos.

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