Game of Thrones – Terceira Temporada: Os reinos do Caos

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Créditos: HBO

Guilherme Reis Mantovani

Este texto contém spoilers da terceira temporada de Game of Thrones.

A terceira temporada da aclamada série televisiva “Game of Thrones” dirigida por David Benioff e D. B. Weiss teve seu primeiro episódio exibido no dia 31 de março de 2013, com o compromisso de adaptar a primeira metade do enorme terceiro livro da saga, “A Tormenta de Espadas”, escrita por George R. R. Martin. Uma missão de extrema dificuldade, uma vez que a “Tormenta de Espadas” foi considerada quase que por unanimidade pela crítica especializada como a melhor obra da épica saga de fantasia “As Crônicas de Gelo e Fogo” até o momento.

Com relação aos aspectos técnicos, é necessário ressaltar a melhoria considerável nos efeitos visuais nesta temporada, dignas agora de grandes produções cinematográficas: é extraordinário vislumbrarmos castelos, cidades ou monumentos que incrementam a paisagem ao fundo, mesmo em cenas não tão significantes para a exposição da narrativa. As tomadas de Astapor e do Septo de Baelor em Porto Real, por exemplo, são capazes de impressionar mesmo os críticos mais assíduos. Deste modo, esta temporada promove o universo medieval da série de forma bem lapidada, tornando-o cada vez mais verossímil aos olhos dos fãs.

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Tomada de Daenerys deixando Astapor com seu exército de Imaculados

 

Contudo, a maior qualidade da série, tal qual nos livros, é o exímio desenvolvimento dos personagens. Aqui, não encontramos o famoso conflito maniqueísta de “Bem x Mal”, tampouco jornadas de heróis ou personalidades rasas. Todos os personagens são “acinzentados”, ou seja, transitam entre escolhas certas e fáceis, entre ações moralizadoras e repudiáveis, entre interesses dignos e egoístas. Personagens heterogêneos, melhor dizendo. Como eu e você. A identidade deles com o público é, portanto, imediata.

Talvez a maior prova de tal afirmação seja o núcleo de Jaime Lannister (Nikolaj Coaster) na terceira temporada. A mando de Catelyn Stark (Michelle Fairley), o cavaleiro é escoltado por Brienne (Gwendoline Christie) de volta a Porto Real, mas imprevistos os assolam no caminho e Jaime perde a mão da espada – uma analogia à perda de seu próprio ego –, o que o leva a admitir e revelar à Brienne as intenções por trás de suas infames ações. Em seu calvário, deixamos de julgá-lo como o cínico Regicida e passamos a vê-lo sob uma ótica completamente desmistificada.

Porém, não são apenas Jaime Lannister e Brienne de Tarth que formam uma dupla inesperada nesta temporada: Arya Stark (Maisie Williams), após breve encontro com a Irmandade sem Estandarte, acompanha Sandor Clegane (Rory McCann), o Cão de Caça, pois este deseja devolvê-la à família visando uma possível recompensa. Arya protagoniza um momento particularmente tocante na temporada quando, ainda junto aos líderes da Irmandade, cede às lágrimas serenamente pouco após testemunhar a ressurreição de Beric Dondarrion (Richard Dormer) pelas mãos de Thoros (Paul Kaye), indagando se o mesmo poderia ser feito para com seu pai. Suas lágrimas chocam justamente por sabermos da força da personagem que, mesmo deveras jovem, já encarou muitos horrores. Assim, subitamente, somos expostos à verdade que nós mesmos (bem como a própria personagem) esquecemos – apesar de tudo, Arya é apenas uma criança.

Outra imponente personagem feminina ganha cada vez mais espaço não apenas no universo literário de Martin, mas também na série: Lena Headey mostra-se cada vez mais confortável no papel de Cersei Lannister, necessitando apenas de expressões incisivas e frases pontuais – estas marcadas por uma dicção pausada e venenosa, que parece indicar o cuidado da personagem em pesar cada palavra antes de dizê-la – para dar um tom preciso à sua interpretação, uma vez que Cersei vê seus interesses seriamente ameaçados por membros da Casa Tyrell, agora pertencentes à Corte, dado sua aliança com Tywin Lannister (Charles Dance) na Guerra dos Cinco Reis. Sua principal rival é a esbelta Margaery Tyrell (Natalie Dormer); a filha do Lorde Tyrell logo deixa evidente que sua ingenuidade não é nada além de uma máscara que veste quando está na companhia do psicótico Rei Joffrey – um Lannister, cof, cof! – Baratheon (Jack Gleeson), e usa de sua sagacidade para influenciar o jovem monarca, pelo qual estava prometida. O que não agrada, evidentemente, à Cersei, que finalmente expõe sua principal – e provavelmente única – qualidade: o anseio pela proteção do filho.

Ainda em Porto Real, vemos nosso Anão preferido cair em desgraça: Tyrion Lannister (Peter Dinklage) recupera-se de um grave ferimento sofrido na fatídica Batalha da Água Negra. A recompensa de Tyrion por ter liderado a defesa da capital contra a invasão do inflexível pretendente ao Trono de Ferro, Stannis Baratheon (Stephen Dillane), não foram títulos, tampouco mero reconhecimento… mas sim a perca do cargo de Mão do Rei, o escárnio do pai, e um casamento arranjado – e lamentado em ambas as partes – com a sofrida Sansa Stark (Sophie Turner), que simbolizava, segundo o próprio Tywin: “a chave para uma futura conquista do Norte”.

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Uma das afiadas conversas entre Tywin e seu filho Tyrion na temporada

Enquanto isso, geograficamente longínquos de qualquer intriga ou jogo político acerca do Trono de Ferro, estão Daenerys Targaryen (Emília Clarke) e Jon Snow (Kit Harrington). Daenerys finalmente alcança sua independência pessoal e passa a inspirar liderança, sobretudo ao subjugar os senhores de escravos por quem sempre demonstrou repúdio, após finalmente conseguir um exército em Astapor. O crescimento de seus dragões, minuciosamente detalhados pela talentosa equipe de efeitos especiais, chama a atenção pela beleza das criaturas e pelo seu significado metafórico: à medida que crescem, a “Mãe dos Dragões” torna-se mais confiante e, consequentemente, mais poderosa. Jon, por outro lado, está além da Muralha, agindo como “duplo espião” no exército do Rei-para-lá-da-Muralha Mance Rayder (Ciarán Hinds), que insiste em sua inexorável marcha junto aos selvagens rumo ao sul, visando terras e abrigo diante da ameaça dos temíveis White Walkers. A jornada do bastardo é atraente por colocar o personagem em um dilema: o bastardo transita entre a honra de retornar à Patrulha da Noite, entidade pela qual era membro por juramento sagrado, e o desejo impulsivo de continuar com os selvagens (e de certa forma trair a Patrulha), depois de se apaixonar por Ygritte (Rose Leslie). Como vemos, desde cedo Jon Snow parece não saber de nada.

Os núcleos de personagens que menos agradam na 3ª temporada são os de Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright) e Theon Greyjoy (Alfie Owen-Allen). O primeiro segue uma jornada rumo à Muralha; jornada esta prolongada por episódios a fio e apresentada de maneira monótona e pouco objetiva. A situação de Theon, por outro lado, é bem mais agravante. O ambicioso rapaz paga brutalmente por sua traição gananciosa: a série, no entanto, apresenta sua captura e tortura de forma atropelada, de modo que, para quem não leu os livros (acontecimento revelado apenas em “Dança dos Dragões”), dificilmente conseguirá compreender a identidade de seu torturador, tampouco as razões do motim que levaram à sua captura em Winterfell. Além disso, na obra literária, Martin desenvolve com maestria a perca de identidade do personagem devido a intensidade da tortura não apenas física, mas também mental, promovendo um complexo conflito psicológico que acompanhamos de dentro da cabeça de Theon. A série, por sua vez, não consegue explorar tal conflito tão meticulosamente.

E agora chegamos ao ápice da terceira temporada: nada mais nada menos que o episódio mais famoso, famigerado e brutal de toda a série até então. Estou falando, como não podia deixar de ser, do Casamento Vermelho.

O Rei do Norte (Richard Madden) continua envolvido na Guerra dos Cinco Reis. Movido pelo anseio de vingar o pai, enraivecido com a traição dos Lannister e empenhado em lutar pela emancipação do Norte dos domínios da Coroa, Robb Stark, planeja seu maior desafio até então: assaltar Rochedo Casterly. Para tanto, porém, precisa reconquistar o apoio da Casa Frey, com a qual havia quebrado um acordo matrimonial e se casado com uma jovem de nascimento baixo. Walder Frey (David Bradley) aceita as desculpas do Jovem Lobo com a condição de que um novo casamento fosse organizado. Sendo assim, é acordado que Edmure Tully (Tobias Menzie), irmão de Catelyn, se casaria com uma das netas de Walder.

O casamento se inicia com um clima ameno, sobretudo após a esposa de Robb lhe dar a notícia de que estava grávida (algo inexistente nos livros). Desta forma, é notável a forma como a tensão começa a se apoderar dos convidados aos poucos, após um discurso preponderante de Walder Frey, e embasada pela fotografia sombria do salão. E então, quando músicos começam a tocar “As Chuvas de Castamere” – famosa canção Lannister que expira em sua orgulhosa letra o poder da Casa – nos sobressaltamos, assim como os próprios personagens. Mancomunados com os Lannister e os Bolton (Casa nortenha vassala dos Stark), os Frey dão início a um banho de sangue em pleno casório. Uma tomada triste e emocionante nos dá dimensão do que acabara de acontecer: no acampamento ao redor do castelo Frey, vemos os lealistas à Robb sendo assassinados a sangue frio, e em seguida a bandeira do honrado lobo em chamas. Ineditamente, o episódio termina sem música alguma em seus créditos, como forma de luto.

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O estandarte da Casa Stark em chamas após o Casamento Vermelho: o simbolismo da queda dos nortenhos na guerra

Passado o choque, o espanto e até a revolta, é forçoso reconhecer que este foi um feito raro e corajoso na dramaturgia popular contemporânea, que colocou a criação de Martin, seja em que mídia for, em um nível superior. Ainda assim, a imprevisibilidade da obra ainda nos faz crer nas áureas palavras suscitadas após o Casamento Vermelho:

“O Norte se lembra.”

 

 

 

 

 

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