Esquadrão Suicida, spoiler: machismo é o super vilão

Camila Ramos

Muitos filmes usam as personagens femininas para trazer algum benefício aos personagens masculinos: deixá-los como heróis que salvaram a mocinha; mostrar sua superioridade perante a companheira; dar prazer (e apenas isso) e o último (e não estou dizendo que existem apenas esses) que trataremos aqui: entreter visualmente os espectadores masculinos.

Esquadrão Suicida é um filme da DC Comics que não trata dos heróis, mas dos vilões de um dos heróis, o morcego Batman. Do diretor e roteirista David Ayer, o filme conta com elenco de vários famosos adorados por muitos, como Will Smith, Jared Leto, Viola Davis, entre outros. É uma equipe formada de vários vilões para lutar pelo bem, salvar o mundo, e o blá blá blá típico desses filmes. O que mais me surpreendeu é que, em pleno 2016, em plena luta e conquistas feministas, em plena evolução moral do ser humano, existam ainda filmes que tratam personagens femininas tão incríveis – como a Arlequina (Margot Robbie) – como um objeto incitante do furor pélvico masculino.

Arlequina é uma vilã louca e psicopata que é apaixonada por outro vilão, o Coringa. Apareceu pela primeira vez no desenho animado de 1992, Batman: A Série Animada, no episódio 22 chamado “Um favor para o Coringa”. Nesse desenho, Arlequina usa uma roupa de bobo da corte, um macacão vermelho e preto com um chapéu característico. No filme, Arlequina usava essa mesma roupa, mas por razões que não foram explicadas, ela assume uma hot pants (short tão curto que mostra quase toda as nádegas. Em termos práticos: uma calcinha jeans), um top cropped coladíssimo, meias calça arrastão e botas salto altíssimo. Não que a Arlequina não pudesse usar essa roupa, afinal, ela decide a roupa que quiser e usa como bem entender. Em entrevista, Robbie até contou que a personagem usa essas roupas porque chamam a atenção e são divertidas (mesmo assim ela não se sentia confortável em usar o traje), e não para atrair olhares dos homens, mas foi isso que justamente aconteceu e foi criado para acontecer.

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Arlequina não era apenas uma vilã presa, a história de seu passado foi contada e, como se não pudesse piorar, ela era tratada como um cachorrinho do Coringa, ele até a chamava por um assovio e oferecia ela para outros homens o qual negociava. Detalhe que Arlequina usou quase o filme inteiro um acessório estranho no pescoço em referência ao Curinga que parecia muito uma coleira… parecia muito mesmo.

A todo o momento a personagem Arlequina foi assediada pela câmera e pelos outros personagens. A câmera focalizou várias vezes suas nádegas (que, como dito a cima, estavam bem à mostra) em momentos até inexplicáveis, como a cena de luta final em que a personagem Magia (Cara Delevingne) chutou a barriga da personagem: o chute foi mostrado pela perspectiva traseira da Arlequina, que me pareceu, pelas circunstâncias, que Magia teria chutado a virilha da Arlequina, mas não fazia o menor sentido isso. Em outra cena, Arlequina quebrou a vitrine de uma loja para pegar uma bolsa, e novamente foi uma oportunidade de mostrar as nádegas dela ao público. Não só a câmera a assediou como também em várias ocasiões começava a chover, não ouve efeito em nenhum personagem, mas a camiseta de Arlequina ficou muito molhada e colada a pele, ao que parecia uma competição da camiseta molhada.

Não é a primeira vez que isso acontece em um filme da DC Comics. Em Batman vs Superman a Mulher Maravilha usava uma micro-saia e um tomara que caia, alegaram que ela usava essa roupa pois era melhor em uma batalha, dava a ela mais movimentação. Bom, todas as mulheres do mundo que já usaram um vestido curto e tomara que caia sabe que os movimentos ficam bem restritos. Além disso, Superman e Batman usam trajes que cobrem o corpo inteiro, a roupa do Batman, por exemplo, só deixa os olhos a mostra… Meio difícil de batalhar, não? Ainda assim, por várias vezes a câmera sensualizava a Mulher Maravilha em suas diversas posições ginecológicas durante a luta.

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Não foi só a câmera que compôs o teor machista do filme, como também o roteiro, pois todos os homens trataram todas as mulheres (todas, sem exceção) como “benzinho”, “docinho”, “amorzinho”; chamavam-nas para sair em meio a brigas e tiros, e ainda olhavam o corpo delas enquanto falavam; olhavam para elas como pedaços de carne; olhavam as nádegas da Arlequina (em que o short teve que ser ajustado digitalmente para se adequar a censura de idade); e ainda ouvi Pistoleiro (Will Smith) falando que ia dar um “sacode” na Arlequina, e não se importava com o fato de ela ser mulher.

A violência contra a mulher foi tão livremente exposta que até houve caso de violência física gratuita. Assim que os vilões se reuniram para a primeira missão, uma soldada foi dar as boas vindas a um deles, este não hesitou em lhe dar um soco na cara que fez a mulher cair no chão imóvel. Outra vez, Batman foi resgatar (adivinha quem?!) a Arlequina de um afogamento e ele lhe deu um soco na cara para que ele não fosse esfaqueado com a faquinha tão curta dela que nem adentraria a inabalável armadura dele… Desnecessário!

O filme não peca só no quesito machismo. Avaliando ele ao todo, eu poderia dizer que fiquei bem confusa com o enredo, já que acontece um evento x em que imediatamente é chamado o Esquadrão, mas eles são designados a um evento y que no fim não faz muito sentido. Talvez eu estivesse chocada e ofendida o suficiente para não ver a “complexidade” do enredo, ou apenas foi um filme muito mal escrito e mal explicado. O enredo todo foi confuso, os vilões não tiveram o aprofundamento necessário, tratavam de suas maiores fraquezas, porém apenas a história do Pistoleiro foi desenvolvida. Muitos vilões tinham potencial de fazer muito, Katana foi muito mal explorada, mal aparecia nas cenas e quase não tinha falas, eu achei que era porque ela falava outro idioma, mas depois ela começou a falar inglês normal; Coringa, o vilão que todos esperavam teve participações curtas, mal explicadas, quase desnecessárias e jogadas sem o menor sentido, ele poderia ser o vilão principal do filme, mas foi apenas o famigerado “herói da mocinha”; Arlequina foi a mais injustiçada, é uma das melhores vilãs de Batman, quase protagonista desse filme, louca e instável que podia ser muito bem explorada, e a atriz que a interpretou, Margot Robbie, fez um trabalho excelente na medida do possível. Outro fato estranho é que precisou de menos de um dia para que todos os super vilões se sentissem como uma família, amando e protegendo todos – nada típico de vilões.

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O filme Esquadrão Suicida é uma situação retrógrada de tudo que se fala sobre feminismo hoje. No universo desses personagens vilões, excêntricos e meta-humanos, tudo é aberração e loucura, porém, o machismo tratado como foi nesse filme, se faz algo normal, corriqueiro e super aceito e não como uma aberração, e isso é Super errado. É um filme muito mal feito, mal escrito, mal pensado e mal executado. O enredo que parecia óbvio foi tornando-se confuso e quando parecia tudo em ordem, acabou confundindo ainda mais, explicando de modo geral sem spoiler: Por que Amanda Waller (Viola Davis) estava no prédio se ela estava comandando tudo? Os efeitos especiais não foram de todo ruim, lembrou muito Vingadores da Marvel. A trilha sonora gângster foi o único ponto positivo no filme todo. Em suma, eu posso dizer com todas as forças do meu ser: se eu tivesse pegado os onze reais, triturado ele e jogado descarga abaixo, teria sido um melhor uso para ele.

Um comentário em “Esquadrão Suicida, spoiler: machismo é o super vilão”

  1. Eu sou fã da DC, mas esse filme realmente deixou muito a desejar em muitos aspectos, e esse foi um dos pontos que eu percebi no filme e que me incomodou muito! Como um estúdio que ano que vem lança um filme solo da Mulher-Maravilha que vai dar toda a representatividade que ela merece e pelo trailer, um filme todo empoderado, lança um filme com um teor tão machista como esse? Como se já não bastasse Deadpool… e sobre a crítica foi muito sensata! Sim, a Arlequina tem essa relação doentia com o Coringa! Mas precisava essa relação ser retratada dessa forma? Até o ponto onde eu conheço a Arlequina, a obsessão dela com o Coringa nunca foi sexualizada dessa forma, aliás, o Coringa tratava ela como parceira de crime e não como um objeto! Filme tinha um grande potencial, uma pena que conseguiram estragar ele…

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