A maturidade do Converge em The Dusk in Us

Nilo Vieira

The Dusk in Us, nono álbum do Converge, não traz novidades à carreira do quarteto de Massachusetts. Os integrantes são os mesmos, design gráfico e produção são novamente assinados, respectivamente, pelo vocalista Jacob Bannon e o guitarrista Kurt Ballou. A dinâmica musical também não mudou: vocais urrados, timbres sujos e controlados, estruturas tortas e dissonâncias.

A identidade da banda permanece intacta, com variações de um estilo consolidado acima de experimentações inéditas. Em tese, já bastaria para que o disco fosse rotulado como apenas mais do mesmo e não fosse digno de maiores análises – ainda mais após cinco anos da aclamação de All We Love We Leave Behind (2012), cuja melancolia latente apontava novas direções legítimas. Em plena era do streaming, modernidade líquida, por que um trabalho sem inovações mereceria destaque? É um LP sólido e não passa disso. Essa linha de criticismo, embora severa, me parecia coerente.  É 2017, a arte precisa andar pra frente.

A média de The Dusk in Us no Metacritic é 90, o que indica aclamação universal. Trata-se de um mero agregador de notas, mas já serviu para surgir questionamentos. Será que alguma coisa importante passou despercebida na análise? Após ver a entrevista de Ballou para o site Exclaim! (“There’s nothing that’s going to come totally out of left field and I don’t think we want to either.“), lembrei de um ótimo artigo do Tiny Mix Tapes e entendi.

Faltou refletir mais fundo no contexto microscópico do álbum. A leitura atenta das letras – sim, são de suma importância nessa gritaria – já revela muitas coisas peculiares. Embora o título dê outra impressão, “A Single Tear” não é calcada em tristeza similar a de “Aimless Arrow”, que iniciava o antecessor com as mesmas guitarras angulares. Os versos abordam a recente paternidade de Bannon de modo poético, sem abandonar o teor realista:

As a single teardrop fell
And was swallowed by the sea
You outshined the best there was
Rewrote who I could be
When I held you for the first time
I knew I had to survive

A versatilidade de Jacob impressiona. O pessimismo de “Wildlife” (nascido em um mundo tão cruel / sobrevivência pode ser uma maldição cruel) e a emancipação de “Arkhipov Calm” (não vou afundar com você, tenho mais o que fazer), passando pela sugestão política de “Under Duress” (as ilusões de controle estão apodrecendo as raízes da árvore), são entregues de maneira sóbria, mas nunca frígida. O apelo emocional permanece tão forte como no icônico Jane Doe (2001), as fontes mudaram. Mas o single “I Can Tell You About Pain” mostra que conflitos de origem egocêntrica ainda existem na vida do vocalista. Além dos versos, a invocação de uma figura feminina intimidadora se materializa no clipe sinistro da música:

Com um frontman tão sereno, não é de se espantar a presença de duas canções onde predominam vocais limpos – quase um recorde na história da banda. A faixa-título e “Thousand of Miles Between Us” fornecem variação ao play e mostram que, mesmo dentro de limites, o Converge sabe se renovar e ir além de regras radicais, tanto do hardcore como do metal (a segunda tem claras influências de The Cure). Além de Bannon, os backing vocals do baixista Nate Newton também são componentes essenciais, dado que seus coros graves fornecem mais timbres para a intensidade pedida pelas letras.

Os riffs e microfonias soam familiares, mas a execução evita que soem requentados – vide a solidez cortante “Cannibals” e a instabilidade de “Murk and Marrow”. A masterização precisa realça as qualidades do álbum ao driblar a loudness war: “Trigger” é um bom exemplo da disposição equilibrada dos instrumentos na mixagem. Embora nenhuma faixa dure mais do que o necessário, a alternância entre introdução limpa e distorcida em “Reptilian” é tão gran finale que soa um tanto clichê.

Nada que prejudique o saldo final, porém. Em quarenta e três minutos, The Dusk in Us não reinventa o Converge, o metalcore ou a música da década. Mas pouco importa, a proposta nunca foi essa. O disco reflete a maturidade de seus criadores de modo cristalino, e aí reside sua atualidade: traduzir a influência pessoal do passar dos anos em nuances universais. Reconhecer limites e explorá-los de maneira consciente só aumentou a intensidade natural da banda. Não é nenhuma revolução, mas emociona e empolga quem persistir – para um ano tão morno, já é mais que o bastante.

 

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